Título: Futuro de incógnitas
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 06/05/2007, O Mundo, p. 46

Analistas apostam em Sarkozy, mas não arriscam dizer que versão dele assumiria o poder.

A França escolhe hoje seu novo presidente. A partir de agora a grande questão é: quais os desafios de quem assumir o comando da sexta maior potência industrial do mundo? Analistas concordam num ponto: Nicolas Sarkozy, o provável vencedor, assumiu a bandeira da ruptura. E elevou a expectativa dos franceses ao máximo. Ou seja, seu maior desafio é óbvio e difícil: cumprir o que prometeu.

A primeira pergunta que Etienne Schweisguth, do Centro de Estudos da Vida Política Francesa (Cevipof) levanta é: qual Sarkozy assumiria o poder? Segundo ele, há três: um que se apresentou em 2003 e 2004 como reformador liberal, espécie de versão francesa do primeiro-ministro britânico, Tony Blair. Um segundo Sarkozy emergiu na campanha como porta-bandeira da lei e da ordem, falando em identidade nacional e luta contra a imigração. E há um terceiro Sarkozy, menos reformador do que se imagina, que recua diante de resistências, como fizeram tantos outros políticos franceses. Neste caso, alerta Schweisguth, a França ¿cairia novamente no imobilismo da era Chirac¿. Ele não se arrisca a dizer, entretanto, qual dos três Sarkozy se imporia no poder.

¿ Não sabemos quem é o verdadeiro Sarkozy. Não sabemos, porque ele mudou o discurso. Ele tem um percurso mais em ziguezague do que Ségolène Royal ¿ diz.

Schweisguth dá exemplos. Num primeiro momento, antes de se lançar oficialmente candidato, Sarkozy defendia a idéia de pagar funcionários públicos de acordo com mérito, e não apenas com o tempo de trabalho. Mas não mencionou mais o assunto na campanha. Ele também falava de descentralização, outro tema que, segundo o pesquisador, sumiu na campanha. Arnaud Leparmentier, editor de política do ¿Le Monde¿, concorda com esse aspecto ¿incógnito¿.

¿ Sarkozy é muito complexo. Não sabemos se vai ser um Chirac, com bons discursos sobre a fratura social e nenhuma reforma. Ou seja: imobilismo. Ou se será como Charles de Gaulle ou Napoleão III, ou seja, nacionalista, adepto de intervenção do Estado, mas reformador e aberto ao mundo.

O jornalista descreve o lado ¿complexo¿ de Sarkozy. O candidato defende valores conservadores, mas é favorável ao casamento gay. Acredita no papel do Estado, mas admira dois liberais: o ministro das Finanças britânico, Gordon Brown, e Tony Blair. A França, segundo ele, não tem tradição liberal como no Reino Unido ou nos EUA, o que deixa a pergunta: o que fará realmente Sarkozy? Leparmentier lembra que De Gaulle (1958 a 1969) e Napoleão III (presidente de 1848 a 1851 e imperador de 1852 a 1870) eram bastante autoritários, mas abriram a França ao mundo e a tornaram mais competitiva.

Leparmentier não sabe o que seria Sarkozy. Mas tem uma certeza: Ségolène é menos preparada para adaptar a França ao novo mundo.

¿ Ela disse que queria fazer da França um país como a Dinamarca. Mas não foi até o final. Não soube se livrar do velho pensamento marxista do PS, que não soube se modernizar. A lei que limita o trabalho em 35 horas de Lionel Jospin (ex-primeiro-ministro socialista) foi um desastre para a competitividade francesa ¿ diz.

E este será, segundo Leparmentier, o grande desafio do próximo presidente: modernizar, relançar a economia, lutar contra o desemprego e adaptar a França à globalização.

¿ A França não vê que grandes países como Brasil e China emergem e reluta em aceitar a competição na agricultura e na indústria. A França não soube deixar a inovação para as empresas. Há 15 anos é o Estado que decide tudo. É preciso que a França se adapte ao século XXI.

Desemprego, um dos principais desafios

Quanto aos problemas do país, Schweisguth cita como grandes desafios o combate ao desemprego e a integração de uma parte da população hoje à margem da sociedade, sobretudo os franceses filhos de imigrantes. Para François Bazin, editor de política da revista ¿Le Nouvel Observateur¿, o principal desafio para os candidatos é assumir os compromissos de campanha.

¿ Os dois são candidatos da ruptura. E há grande expectativa sobre o que prometeram.

Bazin não tem dúvidas sobre a eleição de Sarkozy. Mas ele diz que se Ségolène for eleita no domingo, será uma ¿milagrosa¿. Portanto, sua vitória teria ainda mais impacto e ela teria enormes poderes para reformar o país.

¿ Esta não é a hipótese principal, mas se Ségolène for eleita terá todas as cartas na mão, porque será uma surpresa tamanha, que mostrará uma tal rejeição a Sarkozy, que ela poderá fazer, como Mitterrand, o que quiser.

Sarkozy não terá problemas de apoio parlamentar para governar, segundo ele. Bazin espera que ele obtenha nas eleições legislativas de junho uma maioria ¿extremamente¿ confortável.

¿ Ele vai ter que administrar esta etapa até as eleições legislativas, continuar na linha de unir as pessoas, tirando a angústia de uma parte da população em relação a ele. Na composição de governo, vai tentar mostrar isso, que não está num espírito de vingança (em relação à esquerda).

Para Bazin, Sarkozy aumentou muito a expectativa de mudança e vai ter que agradar seu eleitorado ¿que está bastante à direita¿. Ele espera que Sarkozy anuncie logo o cumprimento de promessas de campanha como a garantia de um serviço mínimo em caso de greve nos serviços públicos e redução de impostos.