Título: Encolheram a oposição
Autor: Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 05/05/2007, O País, p. 3

Com verbas e cargos, governo consegue domar movimentos sociais, sindical e estudantil.

As comemorações do Dia do Trabalho deste ano mostraram uma oposição acanhada e o apoio cada vez mais explícito e entusiasmado dos movimentos sociais, estudantil e sindical ao governo Lula. A combinação de repasses generosos do Orçamento a essas entidades, a ocupação de postos-chaves na esfera federal - com espaço ampliado no primeiro escalão neste segundo mandato - e a relação histórica desses movimentos com o PT explicam, em parte, o apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas especialistas consideram que faltam, aos partidos de oposição, bandeiras capazes de mobilizar a sociedade, e alertam para os riscos de o país conviver com uma oposição acomodada.

Envolvidos em problemas internos, os dois principais partidos que se opõem ao governo, PSDB e DEM (ex-PFL), não estariam conseguindo cumprir o seu papel de fiscalizar e apontar os erros da atual gestão, diz o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB).

Barreto lembra que o PSDB precisa administrar as disputas entre seus principais líderes - o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente do partido, senador Tasso Jereissati (CE), por exemplo. E ainda enfrenta a pressão dos governadores tucanos, alguns dependentes de negociações com o governo federal para sanear as contas de seus estados, como é o caso de Yeda Crusius (RS) e Teotônio Villela (AL).

Dívida de estados é entrave para tucanos

Yeda herdou uma dívida de R$13,3 bilhões, 2,5 vezes a receita líquida do estado, e Villela, uma dívida de R$2,7 bilhões, 2,1 vezes a receita. São os dois únicos estados que estão com suas dívidas acima dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que é de duas vezes a receita líquida.

No DEM, a crise decorre da devastadora derrota nas eleições de 2006, especialmente no Nordeste - o partido elegeu apenas o governador do Distrito Federal. E da busca por uma renovação que ganha cada vez mais força, consumindo, por outro lado, bastante energia de seus líderes.

- Nos últimos dois anos, a principal bandeira desses dois partidos foi a ética, mas o povo absolveu o presidente Lula e agora eles buscam outros estandartes, novos casos de corrupção, problemas na economia. Estão em "stand-by" - observa Barreto.

O cientista político lembra o economista e filósofo inglês John Stuart Mill, importante pensador liberal do século XIX, ao destacar os prejuízos de uma oposição acomodada:

- Mill dizia que o conflito é a mola que gera o desenvolvimento na sociedade. O Brasil precisa de uma oposição combativa. É salutar.

Enquanto a oposição patina, o governo reforça seus apoios. No segundo mandato, Lula resolveu destinar dois ministérios às duas centrais sindicais mais poderosas do país- Trabalho, para a Força Sindical; e Previdência, para a CUT. Pôs ainda mais um ex-presidente da UNE no segundo cargo mais importante do Ministério do Esporte, cujo titular, Orlando Silva, também já presidiu a entidade.

No primeiro mandato, as centrais sindicais receberam R$90,2 milhões, diretamente do Orçamento da União, e ajuda indireta de estatais, com patrocínios. Em 2007, somente Petrobras e Caixa já destinaram R$1,1 milhão a essas entidades. Ano passado, o governo diluiu a distribuição de recursos para as centrais utilizando os orçamentos de estatais e outros órgãos da administração indireta - dados que não são disponíveis no Siafi.

A prática não surgiu no governo Lula. O repasse de recursos do Orçamento a entidades do terceiro setor, sindicatos e outras organizações não-governamentais ampliou-se a partir da lei que criou as Organizações da Sociedade de Interesse Público (Oscips), em 1999.

- Depender de dinheiro estatal para funcionar é uma forma de cooptação dos movimentos sociais - observa o professor da UnB.

"Aqui, no discurso é tudo igual"

Já o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Abramo, considera que as organizações representantes da sociedade civil e os partidos de oposição não utilizam as informações disponíveis para fundamentar sua ação e fazer críticas consistentes ao governo. Para ele, também falta à oposição um plano capaz de mobilizar a sociedade:

- A oposição carece de um modelo de desenvolvimento. Compare com as eleições na França. Lá, as linhas ideológicas estão muito bem traçadas. Aqui, no discurso, é tudo igual.

Ele vê com preocupação a forma como Lula está montando sua base no Congresso, angariando apoio dos partidos em troca de cargos no governo.

- A articulação que o Lula está montando é extremamente perigosa para ele mesmo. Está colocando o Estado nas mãos de pessoas e de partidos. E o potencial de corrupção que isso gera é enorme - alerta Abramo.