Título: Tratamento de choque
Autor: Tavares, Mônica e Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 05/05/2007, Economia, p. 29

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Lula quebra patente de medicamento contra Aids, em decisão inédita no país.

Em uma decisão inédita na História do país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretou ontem o licenciamento compulsório - conhecido por quebra de patente - do medicamento Efavirenz, usado no tratamento da Aids e produzido pelo laboratório americano Merck Sharp & Dohme. Segundo o governo, a medida permitirá uma redução de 72% no preço do remédio e uma economia de US$30 milhões este ano.

- A decisão vale para este e para tantos outros que forem necessários. Não importa se a firma é americana, alemã, brasileira, francesa ou argentina. O Brasil não pode ser tratado como um país que não merece ser respeitado - afirmou Lula, que foi aplaudido por representantes de associações ligadas à saúde, incluindo usuários, durante a solenidade de assinatura do decreto no Palácio do Planalto. - Entre o nosso comércio e a nossa saúde, vamos cuidar da nossa saúde. Não é possível alguém ficar rico com as desgraças dos outros.

No Brasil, remédio é usado por 38% das pessoas que têm o vírus

A saída será importar da Índia. O governo disse que o licenciamento compulsório - que é a exploração da patente por outros laboratórios sem autorização da Merck - segue as normas internacionais, notadamente o Acordo de Propriedade Industrial (Trips) da Organização Mundial do Comércio (OMC). O Brasil vai pagar 1,5% de royalties à Merck sobre o volume de recursos gastos com a compra do medicamento de laboratórios indianos. O Trips determina que o percentual esteja entre 0,5% e 2%.

Hoje, o Brasil paga US$1,59 por comprimido do Efavirenz. O laboratório ofereceu 30% de desconto, considerado insatisfatório pelo Ministério da Saúde, já que o valor do comprimido cairia para US$1,10, e a Merck vende o mesmo produto na Tailândia por US$0,65. A intenção do governo de quebrar a patente do Efavirenz foi noticiada pelo GLOBO, na coluna Negócios & Cia., em 23 de fevereiro.

Das 200 mil pessoas com o vírus da Aids no Brasil, 38% usam o Efavirenz, que vem substituindo o AZT. O governo repassa o remédio gratuitamente aos pacientes com Aids através do Sistema Único de Saúde (SUS).

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, disse que a Merck não cobra preços adequados à realidade brasileira. Segundo ele, a medida faz parte da política de tornar os remédios acessíveis:

- Essa decisão mostra a luta do governo por medicamentos com preços justos.

Temporão destacou que os recursos economizados serão reinvestidos no Programa DST/Aids e na ampliação do acesso dos pacientes ao tratamento de doenças associadas à Aids. Ele acrescentou que não acredita na possibilidade da Merck deixar o país.

- O laboratório comercializa no Brasil vários medicamentos. Não acredito que tenha o interesse de se retirar de um mercado tão importante e que cresce ano a ano.

Dados do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), da Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (Rebrip), mostram que, com o aumento do número de pessoas com HIV, se os preços do Efavirenz fossem mantidos, o Programa DST-AIDS poderia ficar inviável, já que os custos de compra eram de US$42,9 milhões.

O genérico que o governo importará da Índia ainda não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), segundo o presidente-executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Gabriel Tannus. Para ele, a licença compulsória não é o caminho para a ampliação do acesso a medicamentos e não garante a qualidade do produto. O Ministério da Saúde esclareceu que está sendo usada uma brecha legal do artigo 8º da Lei 9.782, de 1999, que permite a isenção do registro na agência reguladora. O registro leva, em geral, 90 dias.