Título: Para Merck, quebra de patente afeta confiança dos investidores no Brasil
Autor: Martins, Marília e Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 05/05/2007, Economia, p. 30
DE OLHO NO SOCIAL: Diretor da empresa alerta para perda de qualidade.
Câmara de Comércio dos EUA diz que medida equivale a ato de pirataria.
NOVA YORK e WASHINGTON. A quebra de patente cria um precedente extremamente negativo para os investimentos no Brasil e ameaça a confiança dos investidores no retorno de seus projetos. Este é o alerta de João Sanches, diretor de Comunicações Corporativa da Merck Sharp & Dohme, multinacional que detém a patente do anti-retroviral Efavirenz. O comprimido faz parte do coquetel que combate o HIV, e cada paciente deve ingerir uma pílula diária para que o conjunto do coquetel faça o efeito previsto.
- A decisão unilateral do governo cria um ambiente instável, e isto é muito ruim para investimentos no Brasil, sobretudo na indústria farmacêutica - afirmou Sanches. - O ministério alega que interrompeu negociações em nome do interesse público porque os custos ameaçavam a sustentabilidade do programa. Isso não é verdade. O Efavirenz trata 42% dos pacientes brasileiros de HIV-Aids e representa apenas 17% do custo do tratamento.
Sanches alertou que a medida pode afetar a qualidade do medicamento, assim como seu suprimento regular. O executivo acrescenta que a Merck ainda vai avaliar o impacto da decisão sobre os seus planos no futuro. Por ora, o laboratório espera lançar dois anti-retrovirais e uma nova vacina em 2007.
- Não vamos tomar medidas para prejudicar os pacientes brasileiros. Mas nossa parceria com o Ministério da Saúde ficou prejudicada - disse ele. - Com o licenciamento compulsório, o ministério nos ofereceu o pagamento de royalties, algo entre 1,5% e 1,9% do valor pago pelo medicamento indiano, o que é extremamente baixo e não compensa os altos investimentos feitos em pesquisa.
Segundo Sanches, em 1999, o governo gastava 3,2% do orçamento do Ministério da Saúde com anti-retrovirais e, hoje, gasta 2%, o que mostra que a sustentabilidade do programa não estava ameaçada pelo preço oferecido pela Merck. A empresa fez uma oferta de 30% de desconto sobre o preço atual do comprimido do Efavirenz, o que faria o custo anual por paciente com o medicamento cair para US$580.
Decisão significou "um grande passo atrás"
A Câmara de Comércio dos EUA, por sua vez, reagiu com veemência à quebra de patente do Efavirenz. Em nota, a entidade afirma que a troca do anti-retroviral por um genérico fabricado na Índia poderia ser encarada como contrabando ou pirataria. A Câmara reagiu dizendo que recebia "com alarme" a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de decretar o licenciamento compulsório daquela droga. A atitude "envia um sinal perigoso para a comunidade de investidores".
A nota, assinada por Daniel W. Christman, vice-presidente para Assuntos Internacionais da entidade, diz que a quebra da patente significou "um grande passo atrás para o desenvolvimento do país. Isso provavelmente fará com que os investimentos sejam feitos em outros países".
Christman disse que a medida contraria os avanços do país na defesa do direito à propriedade intelectual:
"Ironicamente a decisão brasileira acontece apoiada num progresso real. Na segunda-feira passada, o USTR (Escritório de Comércio dos EUA) reconheceu o sucesso do Brasil em combater o contrabando e a pirataria, retirando o país da Lista de Vigilância Prioritária no seu informe anual. Foi esse progresso que tornou possível, em dezembro passado, a extensão das preferências tarifárias ao Brasil no Sistema Geral de Preferências".
Christman disse ainda que os pesquisadores da Merck investiram centenas de milhões de dólares para desenvolver aquele medicamento, e que havia espaço de manobra para negociar uma solução aceitável para ambas as partes.