Título: Privatizada há dez anos, Vale valorizou 3.000%
Autor: Novo, Aguinaldo e Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 05/05/2007, Economia, p. 32

Alta nas ações da segunda maior mineradora do mundo reflete indicadores positivos, como lucro anual de R$13 bi.

SÃO PAULO e RIO. Uma década depois de privatizada, a Companhia Vale do Rio Doce coleciona recordes, como o recém-divulgado lucro trimestral de R$5 bilhões. Não por acaso, os papéis da segunda maior mineradora do mundo estão entre os mais valorizados da Bolsa de São Paulo. Do dia da privatização até a última quarta-feira, as ações ON da Vale acumulavam alta de 3.162,9%, para um Ibovespa (média dos papéis mais negociados na bolsa) de 395,1% - ou seja, oito vezes mais. No período, Petrobras PN subiu 1.146,1%.

Para quem tem ações da Vale em carteira, o mais importante mesmo é a última linha do balanço. De um lucro líquido de R$1,378 bilhão em 1997, a empresa pulou para R$13,431 bilhões. A companhia apresenta atualmente forte capacidade de geração de caixa e lucro operacional, essenciais para a manutenção de investimentos como a compra da canadense Inco, realizada no ano passado, por cerca de US$18 bilhões. A seu favor, desde o fim de 2003, estão a alta dos preços internacionais das commodities, que engorda a receita, e a desvalorização do dólar no país, que alivia o peso da dívida em moeda estrangeira.

Referência importante para analistas, a relação entre o chamado Ebit (que mede o lucro da operação principal da Vale) e a dívida bruta foi de 45,5% em 2006. Significa que a empresa gerou R$45,50 para cada R$100 de dívida. Pelo balanço de dezembro de 1997, ano da privatização, a relação era de 23%.

- O índice caiu em relação a 2005, mas continua sendo muito alto. Na média das empresas abertas do país, fica entre 30% e 35% - diz o coordenador da consultoria Economática para a América Latina, Einar Rivero, que compilou os balanços da mineradora.

Positivos também são os números do Ebitda (geração de caixa antes de juros, depreciação e amortização) e do retorno sobre o patrimônio líquido. No primeiro caso, a variação desde 1997 chega a 655,6% - de R$2,950 bilhões para R$22,291 bilhões em 2006. Para permitir a comparação, a Economática ajustou os números pelo IPCA até 31 de dezembro passado. Já o retorno sobre o patrimônio médio, que era de 7,5% há dez anos, chegou a 42% - "um retorno de banco", diz Rivero, destacando que a média desse indicador nas empresas não-financeiras é de 25%.

Para economista, país saiu perdendo com privatização

Com receita líquida operacional de R$45,2 bilhões, a Vale está atrás apenas da BHP Billiton no ranking das maiores mineradoras do mundo. Só este ano pretende desembolsar US$7,4 bilhões em novos investimentos, um dos três maiores valores da indústria mundial no setor.

- Os números mostram que a privatização foi um sucesso. Hoje, a Vale é uma das maiores empresas de minério e níquel do mundo e se prepara para entrar forte no fornecimento de cobre e carvão mineral - diz Pedro Roberto Galdi, analista de investimentos do ABN Amro.

Segundo ele, a diferença entre a Vale estatal e a privatizada é a capacidade de crescer e se expandir no mundo sem as amarras políticas. A compra da Inco, por exemplo, segundo o analista, não se realizaria antes da privatização porque a decisão envolveria atores políticos. Com a privatização, diz, a estratégia de aquisições foi muito bem conduzida e fez a companhia crescer e tornar-se uma das maiores do planeta.

Com expectativa de crescimento em torno de 10% ao ano, o analista considera que a expansão da Vale nos próximos dez anos depende mais das medidas do governo para melhorar a infra-estrutura do país, reduzindo o custo-Brasil e desonerando investimentos.

Apesar da robustez gerada pela privatização, há quem discorde da mudança que fez com que a empresa deixasse a condição de estatal. É o caso do economista Reinaldo Gonçalves, do Grupo de Conjuntura da UFRJ. Para ele, não há motivo de comemoração:

- O resultado fundamental é que o Brasil perdeu um instrumento importante de política de desenvolvimento. Se a Vale estivesse na mão do governo, as centenas de milhares de dólares que vão para fora do Brasil seriam usadas no país.

Professor diz que empresa "saiu das amarras"

Segundo Gonçalves, a privatização foi ruim para o país pela perda de mobilização de crescimento e investimentos.

- O Brasil perde com a privatização um instrumento de benefícios sociais e econômicos e de promoção do desenvolvimento muito grande. A Vale é hoje um instrumento privado de geração de lucro, que atua sob a ótica de negócios. São dez anos de pêsames e não de congratulações. Já se discute na sociedade civil a reestatização da Vale. Mas é um assunto que não vai chegar ao governo Lula.

Já o economista Enrique Saravia, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape-FGV), afirma que o Brasil não saiu perdendo, mas ressalta que é preciso manter a empresa em mãos brasileiras.

- A Vale tem importância fundamental para o país. A privatização envolvia riscos de se perder um instrumento essencial para a economia. Antes, a empresa já era eficiente e, na época da gestão de Eliezer Batista, ganhou posicionamento no mundo. A privatização saiu melhor do que se esperava, pois a empresa saiu das amarras, dos controles de contratos do modelo estatal, já tinha um corpo gerencial competente e não se desagregou.