Título: Lula diz ter duas posições distintas sobre aborto
Autor: Gois, Chico de e Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 08/05/2007, O País, p. 5

Presidente reage a críticas da CNBB e afirma que bispos "também não são pessoas acima da normalidade de um ser humano".

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou ter posição dúbia em relação à polêmica legalização do aborto no país: uma pessoal, contrária, e outra de chefe de Estado, que não pode ignorar a necessidade do debate. Em entrevista a rádios católicas, motivada pela visita do Papa Bento XVI ao Brasil, Lula admitiu também que falta ao Brasil uma boa política de planejamento familiar.

- Tenho duas posições. A de pai, marido e cidadão, e tenho um comportamento de presidente da República. São duas coisas totalmente distintas -, disse. - Primeiro, eu tenho dito, na minha vida política, que sou contra o aborto. E tenho dito publicamente que não acredito que ninguém faça aborto por opção ou por prazer.

Mesmo assim, Lula afirmou que o Estado não pode ficar alheio ao problema.

- Se nós tivéssemos, no Brasil, um bom processo de planejamento familiar, de educação sexual, possivelmente não tivéssemos a quantidade de gravidez indesejada que temos hoje. Entretanto, quando ela existe, o Estado precisa tratar isso como uma questão de saúde pública. Muitas vezes, no desespero e por falta de orientação, muitas meninas se matam precocemente - afirmou: - O Estado não pode ficar alheio a uma coisa que existe e não dar assistência para essas pessoas.

"Até a CNBB pode cometer injustiças"

Às vésperas da chegada do Papa, o presidente dedicou algumas horas do dia a tratar do assunto. Começou cedo, no programa de rádio "Café com o presidente", quando disse que falaria de suas políticas sociais com o Papa. Mais tarde, na entrevista às rádios, endureceu o discurso contra a CNBB, ao ser perguntado por um repórter sobre as críticas da entidade à sua política econômica e à reforma agrária. Lula mostrou-se irritado:

- Acho que até a CNBB pode cometer injustiças. Eles (os bispos) também não são pessoas acima da normalidade de um ser humano - disse. - Agora, as pessoas sempre vão querer mais, acho normal. E nós, quando estamos no governo, só fazemos aquilo que podemos fazer.

Depois, disse que quer discutir suas políticas com a CNBB:

- Mas discutir sem paixão, discutir com a razão.

Também quer discutir suas políticas sociais com o Papa:

- Sobretudo, discutirei com o Papa as políticas sociais que estamos fazendo no Brasil para que ele, como a pessoa mais importante da Igreja Católica, possa ajudar a disseminar essas boas políticas públicas para o mundo - disse Lula.

Estratégia do Planalto é buscar temas de consenso

O presidente Lula recebe Bento XVI amanhã à tarde, no Aeroporto de Guarulhos. E, na quinta-feira, os dois têm uma audiência privada no Palácio dos Bandeirantes, com tema livre. A estratégia do Planalto é de pautar temas de consenso entre o governo brasileiro e a Santa Sé.

A linha do programa de ontem foi definida pelo presidente juntamente com o ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral) e o chefe de Gabinete, Gilberto Carvalho. Eles são os principais assessores de Lula para temas religiosos. Lula fez questão de ressaltar a atuação social da Igreja:

- O fato de Sua Santidade o Papa Bento XVI vir ao Brasil, primeiro, é um momento de discutirmos a ação social da Igreja Católica. A Igreja no Brasil tem um compromisso histórico em defesa do povo pobre, do povo oprimido. Durante grande parte da minha vida, militei direta e indiretamente com os movimentos de Igreja para que pudéssemos construir um Brasil mais justo - ressaltou o presidente.