Título: O que é, o que é?
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 08/05/2007, Economia, p. 22

O PAC tem mil e uma utilidades: explica tudo, autoriza gastos e desempata brigas internas do governo. Tudo o que é bom é PAC, tudo o que é ruim é anti-PAC. Queda da taxa de juros é coisa boa. Assim, apesar de ser fruto da execução da política monetária, virou PAC ontem no balanço dos três meses. Não dar a licença para as usinas do Rio Madeira é uma ação subversiva, coisa dos contra-PAC.

É também uma lista de tudo o que o governo faz no desempenho das funções para as quais foi eleito. O ministro Guido Mantega listou, no seu balanço das ações do plano, até as "discussões com governadores, secretários de fazenda, senadores e empresários sobre a reforma tributária". A Super Receita é projeto antigo, mas sua entrada em vigor virou item do balanço do PAC.

Ontem, o governo disse que vai retomar a licitação dos sete trechos de rodovias. Ela começou a ser preparada no governo Fernando Henrique, foi retomada no primeiro governo Lula e suspensa quando completava seu sétimo aniversário de preparação. O reinício agora virou uma medida PAC.

No primeiro mandato, ficaram empacados - ops! - vários projetos de infra-estrutura. Ou por falta de capacidade gerencial do governo, ou por empecilhos burocráticos, ou porque o governo não conseguiu tirar do papel uma única PPP. Mas, na era DP (Depois do PAC), qualquer objeção a qualquer projeto será considerada uma impatriótica ação anti-PAC.

A ministra Dilma Rousseff disse ontem que, se a licença para a hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, não sair este mês, a entrada em operação da usina terá que ser adiada de 2011 para 2013. Estranha contabilidade. Até porque o que está previsto é a entrada em operação das hidrelétricas do Madeira apenas em 2012. Em dezembro. De apenas uma das turbinas. Pela própria lógica desse tipo de empreendimento, as turbinas vão entrando devagar em operação. Mas hoje, dentro do governo, acusar qualquer coisa de ser anti-PAC é a forma para desempatar a briga e sepultar a objeção, seja ambiental, seja fiscal.

No primeiro governo Lula, a ministra Dilma gastou meses mudando o modelo energético. A mudança gerou um contencioso regulatório que levou anos para ser desfeito: obras licitadas nas regras antigas não eram iniciadas pela enorme incerteza gerada pela mudança. Isso atrasou muito mais o início de projetos na área de energia que as dúvidas levantadas agora pelo Ibama.

A sempre controversa BR-163 - que levou o desmatamento mais fundo no coração da Amazônia - é anterior ao PAC. Já incorporada, foi para o balanço de ontem. A ministra explicou que o "problema fundamental" com a BR-163 é que é preciso autorização para usar as rochas de um parque nacional. Se tiver que buscar rochas mais longe, aí a obra atrasa. Tradução: seja quem for que estiver segurando as rochas que as entregue logo; do contrário, enfrentará o trator pró-PAC.

No balanço, o governo considerou satisfatórios 91% do programa. Estão sendo monitoradas 1.646 ações: 734 estudos e projetos e 912 obras. Ganha um doce quem conseguir hoje separar o PAC das ações do governo que ele teria que executar existisse ou não o plano. Ganha um doce com cobertura de chocolate quem conseguir saber a diferença entre o PAC e aqueles outros nomes de fantasia para o ato de o governo governar como o Brasil em Ação ou o Avança Brasil. Com a diferença de que eles não eram religião que excomunga infiéis, como está sendo feito agora com a área de meio ambiente.

Até março, apenas 4,4% dos projetos de investimento através da modalidade PPI, ou seja, que não seriam considerados gastos, haviam saído do papel.

Alguns projetos de lei inseridos no PAC também não avançaram nestes três primeiros meses do programa, "ao contrário do que vem acontecendo com as medidas provisórias", diz uma análise da Tendências Consultoria. Mesmo com a base aliada estabelecendo comissões especiais e regimes de urgência, isso não está sendo suficiente para apressar o passo.

Quatro PLs já tramitavam no Congresso desde o primeiro mandato: o que muda o cálculo do auxílio-doença; o que redefine o papel das agências reguladoras; o de defesa da concorrência; e o marco regulatório para o gás. Cada um deles está parado hoje por um motivo diferente. O único que tem mais chances de aprovação é o do gás, porque a urgência dos fatos - e não o PAC - acabou acelerando a necessidade da regulação. Mas, mesmo esse projeto de lei, a Tendências acredita que só será aprovado no início de 2008.

Outros dados mostram que, no PAC, não vale o que está escrito.

- Eles dizem que a prioridade é reduzir a dependência do modal rodoviário, mas os gastos previstos com rodovias serão 10 vezes maiores que os com ferrovias; 90% dos investimentos com ferrovias serão feitos pelo setor privado, e 10% pelo setor público; já nas rodovias, 90% dos investimentos previstos serão com recursos públicos - diz o professor Paulo Fernando Fleury.

O que, em resumo, é o PAC? Qualquer coisa que um grupo de ministros decidir; é licença para gastar; é um cala-boca à área que tenha qualquer objeção ao projeto escolhido.