Título: Papa chega em meio a polêmica
Autor: Éboli, Evandro e Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 09/05/2007, O País, p. 3

Na véspera da visita, governo e Igreja Católica trocam acusações sobre aborto.

Na véspera da chegada do Papa Bento XVI ao Brasil, ganhou força a polêmica sobre a legalização do aborto no país. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, contra-atacou setores da Igreja que têm feito críticas às suas posições sobre o tema. Quase no mesmo momento, Temporão foi o alvo principal de uma passeata de religiosos e parlamentares, que, em frente ao Ministério da Saúde, em Brasília, gritaram palavras de ordem contra ele.

Em entrevista à rádio CBN, Temporão rebateu as críticas e atacou setores da Igreja:

- O aborto é questão de saúde pública. É um tema delicado que tem que ser tratado com delicadeza, o que não percebo em alguns setores da Igreja que fizeram declarações agressivas, na semana passada, e bastante distantes do que Jesus nos ensinou. Agora, não é possível que você ignore que milhares de mulheres se submetam a esse procedimento, e as pessoas digam que nada está acontecendo. Esse é o ponto central.

"Ministro da saúde e não da morte"

Em resposta ao ministro da Saúde, o bispo de Blumenau (SC), dom Angélico Sândalo Bernardino, afirmou ontem que ele deveria se preocupar mais com o acesso dos pobres à saúde e recomendou que seja "ministro da saúde e não da morte".

- Se o recado for direto, eu gostaria que o Ministério da Saúde estivesse a favor da vida e não da morte. Quando a gente vê nesse Brasil a situação nocauteada da saúde pública, o acesso que as populações indefesas não têm à saúde, há um vasto campo de trabalho. Então, que o ilustre ministro da Saúde seja ministro da saúde e não da morte - afirmou o bispo de Blumenau, que falou em nome dos bispos brasileiros, em entrevista coletiva na 45ª Assembléia Geral da CNBB, que termina hoje em Indaiatuba (SP), na localidade de Itaici.

A reação da Igreja ao que disse o ministro da Saúde, que contestou declarações do presidente da CNBB, o cardeal Geraldo Majella Agnelo, arcebispo de Salvador, também veio com o arcebispo de Belém, dom Orani João Tempesta:

- A posição da Igreja no Brasil todos sabem que é em defesa da vida. Não se pode concordar que quem deve cuidar da saúde leve à morte as crianças indefesas. Tem tanto trabalho a ser feito para a saúde do nosso povo, tanta necessidade, como a diminuição das filas, facilitar o acesso à saúde, mais dignidade, o desvio de verbas - disse.

"Isso induz todos a uma promiscuidade"

Em entrevista para a "BBC Brasil", dom Geraldo Majella Agnelo, que transmite hoje o cargo de presidente da CNBB a dom Geraldo Lyrio Rocha, criticou ações do governo Lula que, segundo ele, estariam em direção contrária à defesa da vida. Para dom Geraldo, o programa de educação sexual do governo federal induz à promiscuidade.

- Isso está a induzir a todos a uma promiscuidade. Isso não é respeito à vida, nem ao verdadeiro amor. É fazer com que o homem se torne animal - disse o cardeal.

O arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, disse que a posição de defesa da vida "é justamente contra a agressão à vida".

- Não é agressiva, é uma posição de defesa, de respeito à vida. A Igreja quer discutir também a questão (do aborto). Que não se excluam da discussão os membros da sociedade brasileira que têm posições diferentes daquela que se pretende majoritária mas que, de fato, pelas estatísticas, não é - disse dom Odilo.

O ministro da Saúde elogiou a declaração de anteontem do presidente Lula, que disse ter duas posições sobre o aborto: pessoalmente, diz ser contra; e, como presidente, acha que o tema precisa ser discutido como problema de saúde pública.

Vice-presidente diz ser contra

Polêmico, o assunto não é consenso no governo. O vice-presidente José Alencar afirmou ontem, em seminário sobre liberdade de imprensa realizado na Câmara, que não pode ser a favor do aborto porque o ato "representa a morte de uma vida":

- Para falar sobre isso, a gente muitas vezes entra na intimidade de uma mulher que tem suas razões para praticar o aborto. Mas a verdade é que, na sua maioria, o aborto representa a morte de uma vida que já existe e, então, não podemos ser a favor.

Ontem, em Florianópolis, o presidente Lula voltou ao tema. Ele reiterou que, pessoalmente, por sua história política, é contra a interrupção voluntária da gravidez, mas que, como chefe de Estado, acha que o assunto tem de ser tratado como questão de saúde pública.

- Como é que nós vamos fazer se ele existe e se, normalmente, são pessoas que não têm nenhuma condição de assistência, que são vítimas do próprio aborto? - indagou Lula.

Ainda que não pretenda incluir a discussão de costumes na pauta oficial dos dois encontros que deverá manter, hoje e amanhã, com o Papa, Lula admitiu que poderá abordar os temas mais polêmicos.

- É possível que coloque isso (aborto). É uma realidade que temos de tratar, só isso.

O presidente não respondeu diretamente se achava necessária uma modernização da Igreja em temas como aborto e camisinha:

- Eu acho que a Igreja tem, primeiro, autonomia e idade para tomar as decisões que melhor lhe convenham - disse.

Oficialmente, como informou o porta-voz da Presidência, Marcelo Baumbach, não há previsão de Lula falar sobre aborto nem sobre o uso de camisinha pelos jovens como forma de prevenção à transmissão de doenças sexualmente transmissíveis ou para evitar a gravidez precoce.

- Não existe intenção, por parte do presidente, de abordar a questão do aborto na conversa com o Papa. Não há essa previsão. Tudo vai depender da dinâmica da conversa com o Papa - disse Baumbach.

Segundo o porta-voz, Lula pretende tratar de temas como a desintegração da família e a situação da juventude. Embora não esteja na pauta, o presidente também quer falar sobre seus programas sociais.

COLABOROU Adriana Baldissarelli, especial para O GLOBO