Título: Tanto teatro, tanto desgaste
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 10/05/2007, O Globo, p. 2

É infinita a capacidade da Câmara para aprofundar sua própria crise. A Casa exercitou-a novamente ontem, no encaminhamento da votação do reajuste do salário dos congressistas. Os partidos, quase todos, dedicaram-se ao campeonato da esperteza, com destaque para a posição assumida pelo DEM e pelo PSOL.

À tarde, houve o primeiro show, na votação do requerimento de urgência para a votação do projeto de reajuste. Ficaram contra o PSOL e o DEM, sendo que este último defendia em dezembro, em companhia do deputado Aldo Rebelo, cuja candidatura a presidente da Casa apoiava, a equiparação dos salários dos congressistas aos dos ministros do STF (R$22,5 mil). Em dezembro, diante da forte reprovação da sociedade, houve o recuo. Não se aprovou o reajuste no final da legislatura anterior, como manda a Constituição, ficando para os deputados empossados em janeiro a tarefa desconfortável de fixar os próprios vencimentos. O DEM, que apoiou a equiparação de dezembro, que representava um reajuste de 91%, ontem ficou contra o reajuste de 28%, que eleva o subsídio de R$12,8 mil para R$16,5 mil. O presidente do partido, Rodrigo Maia, sustenta a mudança: "Em dezembro ficou claro que a sociedade não aceita qualquer tipo de aumento".

Pode ser, mas então é preciso criar regras, mudar a existente. O reajuste é previsto constitucionalmente, a reposição inflacionária é garantida a todos. Os penduricalhos, verba disso e daquilo, devem acabar, mas o subsídio, fixado de forma transparente, deve ser condizente com a função e suas demandas.

O PSOL, contrário era, contrário se manteve. O PSDB, através de um vice-líder, também ficou contra. O PT recuou, quando viu a oposição refugiar-se na posição purista e demagógica, deixando aos governistas a tarefa de aprovar o reajuste, por todos desejado. Na reunião de líderes, todos haviam sido favoráveis, cobrou o líder do PT, Luiz Sérgio.

Coube ao deputado Ciro Gomes (PSB-CE), liderança emergente na Casa, por sua firmeza e franqueza, passar uma descompostura nos pares. Estavam praticando, disse ele, um ato de desmoralização do Parlamento, tisnando a majestade de um Poder que só conjunturalmente representam. Se o reajuste era decente e defensável, que fosse aprovado por todos.

Presidindo a sessão, já que Arlindo Chinaglia fora receber o Papa em São Paulo, o vice-presidente Inocêncio Oliveira tocou o barco: manteria a votação do requerimento, o que todos haviam assinado.

O desnudamento surtiu efeito. O líder do PSDB, Antonio Carlos Pannunzio, que estava numa reunião, apareceu e anunciou que liberava a bancada. O PT, que já recuara, fez o mesmo. O PPS, desde o início, deixara corretamente a questão aberta. Raul Jungmann assumiria: o partido arcaria com o desgaste, por ser o reajuste desejado, legal e defensável. O líder do DEM, Onyx Lorenzoni, declarou que manteria o combinado com os líderes: o partido votaria contra, mas não faria obstrução.

Aprovada a urgência, o teatro foi reaberto, no início da noite, na sessão de votação do projeto em si, fixando o salário de deputados, senadores e presidente da República. Chico Alencar, pelo PSOL, avisou que sua bancada não aceitará o reajuste. Teremos então uma Câmara onde uns ganham R$12 mil e outros ganham R$16 mil. O desgaste virá, e em dobro, porque a Câmara não foi capaz de decidir na hora certa, que era dezembro, nem de forma unitária.