Título: O apagão é do governo
Autor: Pires, Adriano e Schechtman, Rafael
Fonte: O Globo, 10/05/2007, Opinião, p. 7
Nos últimos dias, a imprensa tem noticiado a disputa entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o de Minas e Energia (MME) em torno do licenciamento ambiental das hidrelétricas do rio Madeira, cuja capacidade de geração atinge 6.000MW. O próprio presidente Lula tomou partido nas discussões, ficando do lado do MME e culpando o Ibama por um possível apagão no setor elétrico.
Na verdade, o governo tenta dar uma roupagem nova a um problema velho. O risco de déficit de energia não surgiu agora, nem é culpa de um possível atraso nas obras do rio Madeira. Não é de hoje que as previsões feitas por inúmeros analistas chamam a atenção para a possibilidade de um apagão entre 2006 e 2010, devido a atrasos na construção de novas usinas e à falta de gás natural para termelétricas. Até agora, o apagão vem sendo evitado pelo baixo crescimento econômico do país e por um regime hidrológico extremamente favorável.
De acordo com a Aneel, existe hoje um estoque de 6.779MW de projetos de geração que podem entrar em operação entre 20007 e 2011, mas possuem algum impedimento à sua construção, e 17.000MW de projetos que possuem impedimentos graves e sem data de previsão de entrada em operação. O governo deveria trabalhar para resolver os problemas que impedem a construção destas usinas. Há ainda 2.700MW médios de termelétricas a gás natural que não podem despachar por falta de gás natural. Mesmo no caso de se cumprir o cronograma das obras do rio Madeira, o que será difícil em face da envergadura do projeto, a sua primeira fase, de 500MW, só estaria concluída em 2012. Ou seja, o rio Madeira não resolve os problemas do aumento do consumo de energia elétrica até 2011.
O MMA não será o único nem o principal culpado caso haja um apagão de energia elétrica, mas as autoridades que comandaram o MME e a Petrobras desde o início do primeiro mandato do governo atual. Primeiro, o MME destruiu o modelo institucional vigente do setor elétrico e demorou dois anos para apresentar um novo, que se baseia em tarifas populistas e no enfraquecimento das agências reguladoras. O modelo afastou os investimentos privados, e as baixas tarifas reduziram a capacidade de financiamento das estatais do setor elétrico.
No setor de gás natural, o governo congelou os preços até 2005 e atrasou todos os projetos de expansão da produção doméstica, em função da meta de atingir a auto-suficiência de petróleo antes da reeleição do presidente Lula, tornando o país refém da Bolívia.
Como se vê, a situação atual da oferta de energia no Brasil é mais fruto de erros de planejamento do que de questões ambientais. Isto fica evidente ao se verificar que o Plano Decenal do Setor Elétrico para o período 2006 a 2015 estabelece que um terço do crescimento de geração de energia elétrica virá das usinas do rio Madeira, de Belo Monte e de usinas nucleares, todos estes projetos considerados ultrapolêmicos.
Não se discute a necessidade de se reverem os critérios e procedimentos de licenciamento ambiental do Ibama, não só para o setor elétrico como também para o de petróleo e gás natural. O que não é justo é o governo culpar o Ibama por todos os males do setor elétrico. Pior ainda é o MME colocar a sociedade contra o órgão ambiental, ao ameaçar construir usinas nucleares e a carvão se o projeto do rio Madeira não for aprovado no prazo desejado pelo governo.
O Brasil precisa diversificar a sua matriz elétrica e, nesse sentido, deve aumentar a produção doméstica de gás nacional, adotar preços de energia elétrica que incentivem a sua geração por fontes alternativas, tais como bagaço de cana, energia eólica e pequenas centrais hidrelétricas. O governo deve ainda voltar a incentivar o uso racional da energia, que se tornou tão difundido na época do racionamento de 2001. Com toda certeza, essas medidas permitirão um clima mais tranqüilo para se discutir a viabilidade do projeto do rio Madeira.
ADRIANO PIRES e RAFAEL SCHECHTMAN são diretores do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE).