Título: A falta que faz a direita
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Globo, 10/05/2007, Opinião, p. 7

O presidente eleito da França, Nicolas Sarkozy, disse na campanha que pretendia "descompexar" (décomplexer) a direita. Parece um paradoxo. Todo o noticiário internacional apresenta Sarkozy como um direitista que sucede a outro diretista, Jacques Chirac. Ou seja, o eleitorado francês é majoritariamente de direita. O que haveria para "descompexar"? É que essas coisas de direita e esquerda - já poço claras no mundo de hoje são ainda mais complicadas na França. Começa que há por lá ma bronca com os Estados Unidos e com os americanos - "ces gens-lá", como dizia De Gaulle. Isso tem várias origens: econômicas (como a scensão do sEUA, o imperialismo lanque e o avanço das multinacionais americana), culturais (o inglês como língua mundial, substituindo o francês mesmo em multinacionais de origem francesa, ou Hollywood dominando os cinemas) e mesmo gastronômicas (como foi o caso da degustação às cegas em que vinhos da Califórnia bateram tradicionais Bordeaux). Como os EUA são a pátria do capitalismo liberal e como a França se orgulha de ter construído seu modelo de capitalismo do bem-estar social, com ampla proteção estatal, não estranha que o direitista Chirac tenha dito que o liberalismo é pior que o comunismo. Essa direita, no caos, é de caráter moral. É conservadora, contra o aborto, contra o sexo antes do casamento, pelo ensino eligioso obrigatório nas escolas, desconfia do darwnismo para citar alguns temas que estão no noticiário aqui e lá fora. George Bush se enquadra nessa classificação. Já na economia, sustenta a economia de livre mercado com ao menor intervenção possível do Estado. Mas é possível ser um direitista moral e, ao mesmo tempo, favorável a um capitalismo limitado e controlado pelo Estado, como o presidente Chirac. Aqui, convém registrar que liberal designa conceitos diferentes nos EUA e na Europa. Nós Estados Unidos, liberais são os democratas - abertos e progressistas nas questões morais e sociais, mas a favor de intervenção do estado na economia para controlar as talhas de mercado. Já os conservadores ou ortodoxos, como o economista Milton Fredman, inspirador dos republicanos, são inteiramente a favor da liberdade individual na moral, nos costumes e na economia. "Tirem o Estado das nossas costas" - é o lema. Fredman, por exemplo, propôs a descriminalização das drogas. Caberia ao individuo decidir se quer utiliza-las ou não. Já na Europa, em direitistas pode se alinhar com os conservadores americanos nas questões morais e com os democratas nas econômicas. E os esquerdistas se aproximam dos democratas tanto na moral quanto na economia. Mas estariam entre os democratas mais à esquerda, aqueles que são contra o big business. Sarkozy é direitista nas questões morais e sociais. Mas quando fala em "descomplexar" a direita está pensando mais na economia, ou seja na liberalização das relações econômicas. É emblemática sua forte oposição à jornada de trabalho de 35 horas, assim como sua visão mais amigável dos fenômenos da globalização. Em resumo, o pensamento dominante na França é que o país se atrasou e perdeu dinamismo econômico por causa, da globalização em geral e dos EUA em particular. Para Sarkozy, o problema está mais na França mesmo, nas amarras que o Estado e suas diversas legislações, como a trabalhista, colocam à atividade empreendedora. Nesse caso, descomplexar a direita significa adotar o capitalismo mais liberal, na acepção européia, e encaminhar reformas, como as feitas pela Europa toda. Nesse sentido, também precisamos de uma boa direita. Ninguém é de direita no Brasil, porque "isso" aqui se relacionou com a ditadura militar, mas apenas na política e na moral. Na economia, o regime militar foi estatizante e intervencionista, o que, aliás, seduziu amplos setores da esquerda, especialmente no período do general Ernesto Geisel. Ou seja, nosso pensamento econômico dominante é francês à la Chirac, ou mesmo à la Ségolène Royal. E toda democracia precisa alternar direita e esquerda. Precisa de uma Thatcher pra fazer as reformas liberais a ser sucedida por um Tony Blair, que mantém as b ases de ma economia de mercado mais aberta, mas aumenta os investimentos sociais(educação, saúde, etc). Aqui, na falta de uma boa direita, as reformas liberais acabam sendo feitas pelo social-democratas, como FHC e o próprio Lula com sua política econômica, mas que a fazem de má vontade, envergonhados, ficando tudo pela metade.