Título: Santuários para imigrantes
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 10/05/2007, O Mundo, p. 34

Movimento de grupos religiosos ampara estrangeiros ilegais ameaçados de deportação nos EUA.

Elvira Arellano trabalhava havia um ano na limpeza do aeroporto internacional de Chicago, quando agentes do serviço de imigração americano apareceram por lá, em agosto passado, e a detiveram junto com todos os demais empregados dali que viviam ilegalmente no país. Mas, em vez de se apresentar a um juiz, como lhe fora determinado, para receber uma ordem de deportação, ela buscou ¿ e obteve ¿ refúgio numa igreja metodista da cidade, onde tem vivido desde então.

Ontem, muitos outros imigrantes ilegais passaram a contar, como Elvira, com esse escudo de proteção: grupos católicos, protestantes, judaicos e muçulmanos decidiram lançar o Movimento Novo Santuário. O objetivo é conter, pelo menos parcialmente, o crescente índice de deportações.

No ano passado os EUA expulsaram 221.664 pessoas ¿ 37 mil a mais que em 2005. No momento o Congresso debate uma nova lei para lidar com cerca de 12 milhões de residentes ilegais. Os religiosos querem proteger o maior número possível deles até que entre em vigor a nova legislação, que esperam que seja mais branda.

¿ Mais de 50 vezes a Bíblia hebraica nos ordena amar o estranho em nosso meio. Para nós, santuário é um ato de hospitalidade radical, é dar as boas-vindas ao estrangeiro que é como nós, o estrangeiro em nosso meio, nossos vizinhos, nossos amigos ¿ disse o rabino Michael Feinberg, da Coalizão Trabalho Religião da Grande Nova York, num culto ecumênico, ontem, na Igreja de São Paulo Apóstolo, em Manhattan, no lançamento da campanha.

Ação semelhante nos anos 80

Ela começou a vigorar em cinco grandes cidades ¿ Nova York, Los Angeles, San Diego, Chicago e Seattle ¿ e a tendência é se espalhar por todo o país, num desafio às autoridades federais. Em princípio, os grupos religiosos oferecerão apoio espiritual, moral, material e legal a quem for detido ou receber ordem de deportação.

¿ Quando for preciso, vamos fornecer inclusive santuário físico, refúgio ¿ disse a reverenda Donna Schaper, de uma igreja metodista em Greenwich Village, Nova York.

Os coordenadores da campanha acreditam que os agentes de imigração não realizarão prisões de imigrantes ilegais nas igrejas. No entanto, Marc Raimondi, porta-voz do setor no Departamento de Segurança Interna, insinuou que ordens judiciais terão de ser acolhidas pelos religiosos:

¿ Certamente entendemos que ninguém está acima da lei e que as ordens de remoção (deportação) devem ser obedecidas.

A mexicana Elvira, que há nove meses está refugiada num templo metodista, vive com o filho Saúl, de 8 anos. Ela entrou ilegalmente nos EUA há dez anos. O filho nasceu no país, e a deportação a separaria dele (ela é divorciada). Sua luta legal é para obter residência justamente em função do fato de o garoto ser cidadão americano.

O Movimento Novo Santuário foi inspirado numa iniciativa semelhante, dos anos 80, quando grupos religiosos protegeram centro-americanos que fugiam das guerras civis em seus países. Na época, oito funcionários de igrejas foram condenados. Mas a noção de refúgio está profundamente enraizada no país. As igrejas já davam abrigo a escravos fugitivos e repetiram o feito com cidadãos que não queriam lutar no Vietnã.

Na noite de terça-feira, Watsonville, uma pequena cidade a 153 quilômetros ao sul de San Francisco, na Califórnia, anunciou uma medida radical: declarou-se ¿santuário para trabalhadores sem documentos¿.

O chefe de polícia, Terry Medina, não se incomodou com a medida, aprovada pela câmara municipal e assinada pelo prefeito: há anos ele defende que não cabe aos policiais implementar a lei federal de imigração.

¿ Isso faria com que os imigrantes ilegais que obedecem as nossas leis evitassem nos procurar para informar sobre crimes ou suspeitas em sua vizinhança ¿ argumentou Medina.