Título: Direita desassombrada
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 11/05/2007, O País, p. 4

PARIS. A reação desassombrada de Nicolas Sarkozy às críticas às suas férias na Ilha de Malta, custeadas pelo amigo bilionário Vincent Bolloré, só fez aumentar o orgulho que seus correligionários e eleitores vêm sentindo desde a eleição do último domingo, a maior vitória direta da direita contra a esquerda desde que De Gaulle derrotou François Mitterrand, em 1965. Além de garantir que "nenhum centavo" do governo foi gasto, e que as empresas de Bolloré nunca tiveram negócios com o Estado francês, os assessores de Sarkozy criticaram indiretamente dirigentes socialistas, ao comentarem: "Sarkozy não tem um riad em Marrakech nem uma casa em Mougins", numa referência ao palacete que o deputado socialista Dominique Strauss-Kahan possui em Marrocos e à casa na Cote d"Azur do presidente do Partido Socialista, François Hollande, e sua mulher, a candidata derrotada à Presidência, Sègoléne Royal.

Entre os que consideraram temerária a viagem, há apenas restrições à possibilidade de dar à oposição motivos para uma tentativa de desacreditar medidas que serão negociadas com o Legislativo, como reduzir a carga tributária ao máximo de 50% dos rendimentos, quando hoje em alguns casos pode chegar a 70%, e flexibilizar os impostos sobre grandes fortunas e heranças.

A estatística oficial mostra que cerca de 650 pessoas anualmente mudam de endereço fiscal para pagar menos impostos, entre eles famosos como o cantor Johnny Halliday (que, eleitor de Sarkozy, promete voltar) e o piloto Alain Prost, que não se entusiasma com as promessas. Já teriam deixado o país entre 24 bilhões e 32 bilhões nos últimos dez anos.

Todas essas medidas serão tomadas como maneira de valorizar o mérito, estimular a criação de riqueza dentro da França. Não temer assumir medidas como essas, que poderiam ser impopulares, é que faz de Nicolas Sarkozy um político diferente de uma geração de direita que esteve no poder nos últimos anos. Mesmo acusado de radical, Sarkozy não hesitou em se distanciar do extremista Le Pen, e chamou a atenção para o fato de que, ao contrário, o socialista François Mitterrand, quando precisou, se aliou formalmente ao Partido Comunista, dando-lhe até ministérios.

A maneira nada ambígua de fazer política de Sarkozy foi exaltada pelo escritor e membro da Academia Francesa Jean d"Ormesson, em um amplo artigo do "Le Figaro" no dia seguinte às eleições. Um dos pontos mais importantes de sua vitória, destaca d"Ormesson, foi "devolver à direita a dignidade perdida". Segundo ele, a direita se comportava como se tivesse vergonha de si mesma, com a consciência pesada.

A idéia generalizada era de que "a inteligência está na esquerda, a boa consciência está na esquerda", ironiza o escritor, que cita que Mitterrand, que terminou adotando "impunemente" uma política de direita, "podia fazê-lo porque era de esquerda". Ao mesmo tempo, segundo d"Ormesson, Jacques Chirac, eleito pela direita, "fez às escondidas uma política mais radical-socialista do que gaulista".

Jean d"Ormesson festeja o fato de Sarkozy não se abater diante dos ataques "que, contra todas as evidências, o acusam de fascismo e totalitarismo". Ele considera que essa atitude desassombrada de Sarkozy, que se declara "pelas vítimas, contra os delinqüentes; pela ordem e pela segurança contra os fraudadores, os vândalos, a corja; por De Gaulle e Pompidou contra Maio de 1968", representa a verdadeira ruptura: "A famosa maioria silenciosa encontrou o seu arauto".

De fato, Sarkozy fez questão de marcar sua proximidade com a Era De Gaulle e não teve pejo de assumir a ruptura com os significados da revolta estudantil de Maio de 1968, o que o colocou em confronto nada anacrônico com um dos líderes daquele movimento, o hoje deputado europeu do Partido Verde Daniel Cohn-Bendit, que o classificou nada mais nada menos de "stalinista" pela maneira agressiva com que faz política.

Para o prefeito do Rio, Cesar Maia, a maior novidade em termos de mensagem na eleição presidencial francesa foram as insistentes afirmações de Sarkozy de que a França tem que negar e superar o "Maio de 1968". Ou seja, negar os valores que eram a negação das tradições, individualismo radical, liberalidade quanto aos costumes, negação da família como núcleo matriz da sociedade, instituições voláteis etc.

Não foi por acaso, também, que ele escolheu o memorial do Plateau des Glières, na região do Haute-Savoie, para encerrar sua campanha. Foi lá que um grupo da resistência em março de 1944 enfrentou os alemães, tornando-se um símbolo da vitória na Segunda Guerra Mundial.

Há quem já esteja comparando a vitória de Nicolas Sarkozy com a de François Miterrand em 1981, quando a esquerda permaneceu no poder durante 14 anos depois de ter perdido três eleições seguidas.

O ex-primeiro-ministro Jean Pierre Raffarin, senador pela UMP, está propondo que o partido comece a preparar a nova geração de políticos, com cursos de gestão para formar uma nova elite para a alta administração do país.

Mas essa conta da nova direita não leva em consideração que a direita já está no poder há 12 anos com Jacques Chirac, e mais claramente a partir de 2002, quando o eleitorado francês levou dois representantes da direita - Jacques Chirac e Le Pen - ao segundo turno, marcando a ascendência dos conservadores na cena política, reafirmada agora na eleição de Sarkozy, que não se pretende uma continuação, mas o marco de um novo começo.