Título: Nem o Cristo escapou
Autor: Martins, Jorge e Brandão, Tulio
Fonte: O Globo, 11/05/2007, Rio, p. 14

PECADO VENAL

Polícia Federal desbarata quadrilha que desviou R$10 milhões da bilheteria do Corcovado.

Ocrime chegou ao Cristo. Num momento em que o Papa visita o Brasil e o maior símbolo da cidade concorre ao título de uma das novas maravilhas do mundo, a Polícia Federal desbaratou ontem uma quadrilha que desviou, nos últimos dois anos, cerca de R$10 milhões da bilheteria de acesso à estátua no alto do Corcovado. Na operação, batizada de Iscariotes em referência ao traidor de Jesus, foram presas 22 pessoas, entre elas sete policiais militares do Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas (Bptur), um funcionário da empresa de turismo Jeep Tour - além do dono, André Monnerat - vigilantes da firma Juiz de Fora e bilheteiros da Trade, terceirizados pela administração do Parque Nacional da Tijuca, onde está localizado o Cristo Redentor. Um acusado ainda está sendo procurado.

O valor desviado por ano - cerca de R$5 milhões, segundo o superintendente regional do Ibama, Rogério Rocco - é maior que a arrecadação anual do Parque da Tijuca, estimada em R$2 milhões. O chefe da operação da PF, delegado Alexandre Saraiva, explicou como a quadrilha operava na bilheteria para carros e passageiros do Cristo:

- Era uma forma de atuação simples e efetiva. Os veículos e os visitantes pagavam a entrada, que muitas vezes não era registrada. No caso da empresa de turismo Jeep Tour, eles só pagavam 50% do valor devido. Como era difícil quantificar o desvio, começamos a monitorar a entrada e comparamos o número real de passageiros com o apresentado pelos bilheteiros da Trade.

Secretaria envia 50 agentes como reforço

Segundo a Polícia Federal, os policiais militares envolvidos no crime cobravam um percentual do dinheiro desviado. Além do caso específico da Jeep Tour, os agentes da Operação Iscariotes informaram que apenas funcionários das empresas Trade e Juiz de Fora estariam envolvidos no crime. Os sócios não teriam participado do desvio.

A entrevista para apresentar os resultados da operação contou com a participação do secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Corrêa; da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva; e do diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda. Corrêa disse que, para auxiliar o Ibama na segurança do parque durante as alterações na gestão do Corcovado, enviou ontem o reforço de 50 homens para a unidade de conservação.

- Estamos trabalhando inicialmente no controle dos acessos, de modo articulado com o Ibama. Se for necessário, os homens da Força Nacional ficarão até o Pan-Americano - disse o secretário nacional de Segurança.

Marina Silva lembrou que a Iscariotes foi a 18ª operação conjunta da Polícia Federal com o Ibama desde 2003:

- Esse trabalho já resultou na prisão de 500 pessoas envolvidas em crimes relacionados ao meio ambiente. No Rio, esta é a segunda operação. A primeira foi a Euterpe (que prendeu funcionários do Ibama). Depois da Iscariotes, vamos providenciar um conjunto de medidas a serem tomadas para a reutilização do Parque da Tijuca.

A Polícia Federal não informou o nome de todos os presos. Apesar de a Corregedoria da PM ter sido convidada a falar sobre a prisão dos policiais, nenhum representante chegou, até o fim da entrevista coletiva. Os agentes responsáveis pela operação informaram apenas que um dos PMs presos, tenente do Bptur, ganhava uma "caixinha" de R$2 mil por mês.

O dono da Jeep Tour, André Monnerat, foi preso em sua casa, em Ipanema, e o gerente, Wagner Expedito Araújo, na sede da empresa, em São Cristóvão. No local, a PF lacrou 40 veículos e recolheu documentos. Camiseta cinza, calças jeans e cabelos queimados de surfista, o bilheteiro da Trade Carlos Roberto Grizi Júnior, de 20 anos, foi preso ontem em Fernando de Noronha, onde estava passando uma temporada de férias desde o último dia 4. Segundo a polícia, ele não estava numa das pousadas mais luxuosas do lugar, que é considerado um paraíso ecológico. Carlos foi levado de avião para Recife, de onde embarcaria ainda na noite de ontem para o Rio, escoltado por dois agentes federais. No Rio, foi apreendido o carro do acusado: um Vectra modificado, avaliado em R$70 mil.

De acordo com Alexandre Saraiva, os presos comuns foram levados para a Polinter e os PMs, para o Batalhão Especial de Benfica. Ele explicou que os policiais militares serão indiciados por formação de quadrilha e corrupção passiva; os vigilante e seguranças, por estelionato, corrupção ativa e formação de quadrilha; e os funcionários da empresa de turismo, por fraude.

COLABORARAM: Fernanda Pontes e Letícia Lins (Recife)