Título: Fiz o que achava ser certo
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 11/05/2007, O Mundo, p. 33

O FIM DA ERA BLAIR

Premier britânico anuncia renúncia e defende sua gestão, mas faz mea-culpa ao falar do Iraque.

No acanhado auditório de um clube de Sedgefield, distrito do nordeste inglês que representa como membro do Parlamento britânico desde 1983, e com um discurso que chamou a atenção pelo tom de reflexão, o primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, anunciou ontem à tarde que renunciará à liderança do Partido Trabalhista e deixará o cargo no dia 27 de junho. Na ocasião, apresentará à rainha Elizabeth II sua decisão formal. O pronunciamento do premier foi feito no mesmo local em que, há 13 anos, ele lançara sua candidatura ao comando dos trabalhistas. O primeiro-ministro havia se reunido pela manhã com seus ministros para comunicar a decisão. Pouco depois, embarcou num jatinho para Sedgefield.

No auditório, não por acaso, Blair adotou um tom de mea-culpa ao falar para uma platéia composta por integrantes do Partido Trabalhista e pela mídia. Ao mesmo tempo em que bateu no peito para lembrar que seu governo foi o primeiro desde 1945 a reduzir o desemprego, melhorar os investimentos em saúde e educação - além de registrar um crescimento econômico constante -, o premier disse que espera ser julgado pelo público em relação ao assunto Iraque, bem como à controvertida aliança com o presidente dos EUA, George W. Bush.

- Com a mão sobre o peito, digo que fiz o que achava ser certo. Decidi caminhar lado a lado com nosso mais antigo aliado, mas acima de tudo tomei as decisões que imaginava serem as melhores para o Reino Unido. Peço desculpa pelas situações em que não realizei o que se esperava de mim - afirmou Blair, emocionado.

Além de desculpar-se, Blair falou sobre sua longa permanência, de uma década, no poder britânico:

- Acho que dez anos foi tempo demais para o país e para mim - disse, num tom emocionado, arrancando aplausos das cerca de 250 pessoas que lotavam o auditório.

No fim da tarde, o premier voltou para Londres. Ele já viaja novamente hoje, para um encontro com o presidente eleito da França, Nicolas Sarkozy, em Paris. Entre as muitas declarações sobre o premier, chamou a atenção o comentário do parlamentar William Hague, líder do Partido Conservador em 2001, quando foi duramente derrotado por Blair e os trabalhistas:

- Ele foi o mais perigoso adversário do partido em toda a História.

Bush diz que sentirá saudades do aliado

Em Washington, Bush também falou sobre seu maior aliado:

- Vou sentir saudades de Blair. Ele é um homem capaz de manter sua palavra, o que às vezes é raro nos círculos políticos em que vivo - disse o presidente americano.

Bush disse ainda estar pronto para trabalhar com o favorito a substituir Blair no cargo, seu ministro das Finanças, Gordon Brown, que, segundo o americano, "entende as conseqüências de um fracasso no Iraque".

Eleito em 1997 com uma histórica margem de votos para uma legenda que passara três quartos do século XX na oposição, Blair entrou para o livro dos recordes da política britânica ao se transformar no mais jovem primeiro-ministro em 200 anos e ao conduzir os trabalhistas em outros dois mandatos consecutivos - algo inédito. Foi poucos meses depois da vitória nas eleições gerais de 2005 que o premier manifestou seu desejo de deixar o cargo sem disputar um quarto mandato. Aos 54 anos, ele sairá de cena sem igualar o tempo de permanência da conservadora Margaret Thatcher (1979-1990, em quatro mandatos).

Porém, as estatísticas pouco importam diante das circunstâncias em que termina a era Blair: o novo messias aclamado sucessivamente nas urnas deu lugar a um líder impopular por conta do apoio à invasão do Iraque, uma decisão que encontrou imensa resistência entre o eleitorado e mesmo nas fileiras trabalhistas. E cujos efeitos prometem ofuscar os sucessos de uma gestão em que os britânicos experimentaram uma melhora de vida e que, apesar da ameaça terrorista islâmica, conseguiu apaziguar os ânimos num barril de pólvora chamado Irlanda do Norte.

Tampouco pegaram bem as denúncias de que os trabalhistas estavam trocando doações para a campanha eleitoral de 2005 por nomeações para Câmara dos Lordes (a versão britânica de um Senado, cujos membros são indicados) e que levaram Blair a ser questionado duas vezes pela polícia - por sinal, uma situação tão infeliz quanto inédita.

O discurso de ontem não deu muito mais pistas sobre o futuro imediato do primeiro-ministro. Blair não desmentiu nem confirmou os rumores de que também abriria mão da vaga parlamentar por Sedgefield, o que marcaria um afastamento total da vida política. Preferiu agradecer ao povo e negar o que sua aparência cansada tenha sugerido nos últimos anos.

Se a maioria dos britânicos condena Blair por conta da invasão do Iraque, em Bagdá sua saída do poder foi lamentada por Ali al-Dabbagh, porta-voz do governo:

- Tony Blair ajudou a derrubar Saddam Hussein e colocou-se com coragem ao lado de Bush para pôr fim à miséria do povo do Iraque. Ele tem seu lugar na história de nosso país também - disse o porta-voz, que reconheceu, no entanto, "que a relação entre os iraquianos e as tropas britânicas poderia ter sido melhor se alguns problemas tivessem sido evitados".

A política externa de Blair também foi lembrada por um velho aliado, o ex-presidente dos EUA Bill Clinton, com quem Blair compartilhou uma de suas grandes vitórias internacionais, a intervenção no Kosovo, em 1999.

- Blair lutou pela paz no Kosovo, na Irlanda do Norte e liderou questões importantes para o mundo como o combate ao aquecimento global e a ajuda financeira à África. Ele deve ser lembrado por isso - disse o amigo Clinton, que não comentou a questão iraquiana.