Título: 'Como morto? Estou aqui!'
Autor: Duarte, Patrícia e Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 13/05/2007, O País, p. 3

Beneficiários passam horas na fila e enfrentam burocracia no INSS

BRASÍLIA. Ela tem 92 anos, e, só este ano, já saiu de casa três vezes para tentar resolver uma pendência no posto do INSS em Brasília. Dona Severina Alexandrina da Silva é uma das brasileiras que ainda sofrem com a burocracia no atendimento previdenciário. Segundo contou a neta, Kênia, para receber o benefício de um salário mínimo a que tem direito, dona Severina estava sendo obrigada a comparecer pessoalmente, de três em três meses, ao posto do INSS. Para provar que está viva - uma exigência por causa da idade.

Dona Severina ainda está lúcida, mas tem problemas para se locomover. Mora em São Sebastião, cidade-satélite a 30 quilômetros do centro de Brasília. Na última quarta-feira, Kênia, que trabalha na área administrativa de uma papelaria, avisou ao chefe, assim que chegou, que iria se ausentar "um pouco" para tentar resolver o problema da avó. Os colegas brincaram:

- Até amanhã, Kênia.

Ela pegou a avó às 8h40m. Foram a um cartório, para tirar uma procuração. No cartório, mesmo tendo a avó ao seu lado, avisaram que era preciso outra pessoa da família para atestar que dona Severina estava viva e concordava em assinar o documento:

- Minha avó do meu lado, e ele me cobrando provas de que ela está viva? Se é para atestar que ela está viva e eu estou com ela, para que serve um tabelião?

Com a ajuda de uma das pessoas da fila do cartório, Kênia conseguiu a procuração e foi para o posto do INSS, onde chegou por volta das 10h e conseguiu a senha 372. Por volta do meio-dia, estava sendo atendida a pessoa com a senha 180. Kênia deixou o posto por alguns minutos, para dar almoço e medicação à avó, e voltaria para tentar ser atendida.

Segundo a assessoria do INSS, a exigência de recadastramento de três em três meses se dá porque dona Severina recebeu a pensão como benefício social, por idade. E tem como objetivo evitar fraudes.

O funcionário público Paulo Ferreira, de 55 anos, teve um infarto em setembro, pediu o auxílio-doença e, em fevereiro, descobriu que a conta estava zerada, e ele estava sendo dado como morto:

- Falei para o funcionário: como morto? Estou aqui! Demorou mais de um mês para o sistema me reativar.

Dona Raimunda do Santos, de 78 anos, foi ao INSS tentar resolver o corte no pagamento do benefício do marido, que é inválido. Ela já havia estado lá, mas uma atendente disse que o problema teria que ser resolvido no banco, onde informaram que teria que voltar ao INSS. Na última quarta-feira, ela pegou a senha 392. Ao meio-dia, estava sendo chamada a 233. Dona Raimunda ainda passaria mais três ou quatro horas na fila:

- Ele não fez o recadastramento. Tomara que agora eles resolvam, porque o dinheiro faz falta.

Segundo a assessoria do INSS do DF, as filas diminuíram depois que o governo lançou o 135, telefone pelo qual as pessoas podem agendar o atendimento. Mas, na prática, faltam funcionários, e os computadores, muitas vezes, ficam fora do ar.