Título: Quando a burocracia emPACa quase tudo
Autor: Duarte, Patrícia e Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 13/05/2007, O País, p. 3

Cidadãos e empresas são reféns de excesso de normas.

Em plena ditadura militar, um ambicioso plano de desburocratização, lançado em 1979 pelo então ministro extraordinário Hélio Beltrão, prometia reduzir entraves que atrapalham a vida dos cidadãos e das empresas. Houve avanços, poucos. Depois, recuos. E, mesmo com as facilidades da tecnologia, 28 anos depois a burocracia no Brasil ainda é gigantesca, exigindo absurdos das pessoas, como o caso da velhinha de 92 anos que precisa provar, a cada três meses, que está viva. Ou impõe uma verdadeira maratona a empreendedores, que levam mais de dois meses, em média, para abrir uma empresa. Mesmo o ambicioso Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal empaca, em alguns casos, na burocracia.

Não importa o tamanho da empresa. A quantidade de papel, documentos, assinaturas, carimbos e visitas a diversos órgãos públicos leva muitos à desistência. Pesquisa do Sebrae mostra, por exemplo, que a abertura de uma empresa demora, no Rio, cerca de cem dias. Na média geral do país, são necessários 70 dias, ainda muito distante do que o consultor de políticas públicas do Sebrae, André Spínola, classifica como ideal: 15 dias, no máximo.

Até conseguir pôr em ordem uma empresa, com CNPJ e todos os outros documentos, o empresário tem de investir, em primeiro lugar, na compra ou aluguel do imóvel e na estrutura (como móveis e máquinas). Isso pode significar investimentos significativos. Enquanto fica quase quatro meses parado, até que sua empresa exista de verdade, sob o ponto de vista legal, ele corre riscos de não conseguir se estabelecer.

- Todo mundo perde. O empresário, que não fatura, o empregado, que não pode ser contratado, e até o poder público, que fica sem arrecadar impostos - resume Spínola.

Problema afeta imagem do país

Mas os reflexos negativos da burocracia não terminam aí. Eles corroem a percepção de competitividade que o Brasil tem em relação ao mundo. A montanha de procedimentos exigidos para os investidores, mais uma vez, pesou bastante no levantamento feito pelo Relatório de Competitividade Mundial, do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Gerencial, que divulgou pesquisa na semana passada na qual mostra que o país caiu da 44ª para a 49ª posição no ranking dos países mais competitivos de 2007. Na lista, com 55 países, o Brasil só tem desempenho superior a África do Sul, Argentina, Polônia, Croácia, Indonésia e a Venezuela. No segmento legislação de negócios, termômetro da burocracia, o país está na 50ª posição.

- Com os avanços econômicos que tivemos nos últimos dois anos, foi uma surpresa ver o Brasil cair na tabela (geral). Isso mostra que o grande vilão foi o bloco de infra-estrutura institucional - afirma o professor Carlos Arruda, da Fundação Dom Cabral, que divulga a pesquisa no país.

Para as grandes empresas, a burocracia também é um tormento. De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), estima-se que até 25% do tempo útil da alta administração de uma companhia sejam gastos para atender a exigências burocráticas. O custo para abrir uma empresa é outro fator que pesa: de acordo com o Sebrae, são cerca de R$2 mil, no caso das micro e pequenas empresas, já levando em consideração os gastos com contador, um profissional cada vez mais indispensável diante do emaranhado de leis, regras e normas.

O pior, ressalta Spínola, é que esse enredo serve basicamente para toda e qualquer empresa, desde uma simples padaria ou locadora, até uma fábrica de produtos químicos. Depois de tudo legalizado, começa outra maratona para manter em dia o pagamento de inúmeras taxas, impostos e contribuições cobrados de todos os níveis de poder. Por isso, avalia o consultor do Sebrae, há dez milhões de empresas informais no país, na sua grande maioria de pequeno porte.

Se a vida do empresário é difícil, os percalços enfrentados pelo cidadão, nas suas atividades comuns, também são de tirar o fôlego. Para Luiz Tarcísio Ferreira, professor de Fundamentos de Direito Público da PUC-SP e mestre em direito do Estado (foi secretário de Negócios Jurídicos da Prefeitura de São Paulo), parte da burocracia resiste por força do que ele chama de "reservas de mercado".

Brasil tem 21 mil cartórios

Como exemplo, citou o caso de arrolamento de bens, espécie de inventário para bens de pequena monta, que poderia ser concluído mais rapidamente, sem a necessidade de um advogado.

- Mas, por reserva de mercado, a família de alguém que deixou, por exemplo, apenas uma casa e um carro registrados em seu nome para ser dividido entre dois filhos, tem de procurar um advogado e se submeter à morosidade da Justiça - diz Tarcísio.

O professor da PUC afirma que a burocracia ajuda na criação de cartórios (são 21 mil no país) e de serviços paralelos. Um exemplo: uma pessoa interessada num financiamento imobiliário vai precisar de uma série de documentos emitidos pelo próprio governo, como certidões negativas. Mas ela tem de tirá-los em todos os cartórios e dificilmente consegue fazer sozinha esse serviço. Assim, se vê obrigada a recorrer a um serviço de despachante, pagando por isso.

Nesse caso, o prazo, só para obter todos os documentos, costuma ser de, no mínimo, 30 dias. Além dos custos. O advogado lembra que a Lei Hélio Beltrão ajudou a desburocratizar. Porém, a cada lei nova criada no país, novas práticas burocráticas se impõem:

- Partimos de um pressuposto equivocado: a desconfiança no cidadão - diz o professor.

O presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), Rogério Portugal Bacellar, considera, porém, que certas exigências, aparentemente absurdas, como reconhecimento de firma na venda de um veículo, servem como "segurança jurídica" para o comprador.

- Sem o reconhecimento de firmas, como saber se aquela pessoa que assinou determinado documento é, de fato, quem diz ser? - afirmou.