Título: Empresa é suspeita de contrabandear cigarros
Autor: Beck, Martha e Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 13/05/2007, Rio, p. 15

American Virginia estaria por trás de fábrica paraguaia acusada de abastecer bancas de camelôs brasileiros.

BRASÍLIA. À medida que avançam as investigações da Operação Hurricane, da Polícia Federal, surgem evidências de que empresas suspeitas de envolvimento em crimes se mantinham de portas abertas à base de liminares compradas. Um dos próximos capítulos do escândalo trará à tona a investigação sobre os negócios da fábrica de cigarros American Virginia, com sede em Duque de Caxias, conhecida por ser a terceira maior do segmento no país e também por dever quase R$1 bilhão ao Fisco. Documentos obtidos pelo GLOBO revelam indícios de que a empresa pode estar por trás do contrabando de cigarros do Paraguai e se mantinha no mercado graças a sentenças negociadas entre integrantes da quadrilha, desbaratada na Hurricane, e o desembargador José Eduardo Carreira Alvim, preso na operação.

Gravações revelam conversa com advogado de fábrica

A American Virginia se tornou alvo da PF por ter recebido, em 2006, duas sentenças de Carreira Alvim, impedindo o seu fechamento pela Receita Federal por sonegar impostos. Grampos mostram que, no dia em que deu a segunda decisão (3 de outubro), o desembargador recebeu em seu gabinete um advogado identificado apenas como Fred, que aparece nas gravações defendendo os interesses da fábrica. Segundo o inquérito da PF, os dois conversam sobre detalhes da ação e, no fim, Fred deixa em cima da mesa de Carreira Alvim um ¿memorial¿ referente à medida cautelar pedida pela American.

Um cruzamento feito pelo GLOBO entre o horário das gravações e o andamento do processo no Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região (Rio) revela que, apenas 25 minutos depois de o advogado deixar o gabinete, Carreira Alvim despachou o primeiro dos sete ofícios comunicando sua decisão, favorável à fábrica de cigarros.

Fred é personagem assíduo nas conversas em que integrantes da quadrilha negociam sentenças. No dia 11 de setembro, três semanas antes da decisão, ele conversa sobre o assunto com o também advogado Sérgio Luzio, preso pela PF. Na gravação, Fred diz a Sérgio que Carreira Alvim ¿já sabe de tudo¿ e que lhe dissera que bastava ¿despachar até quarta-feira, que já deve ter uma decisão¿.

Além da dívida bilionária com a Receita, outras evidências comprometem a American Virginia. A empresa está por trás da fábrica de cigarros paraguaia La Soberana, incluída pela CPI da Pirataria da Câmara na lista das firmas acusadas de contrabandear produtos que abastecem camelôs brasileiros.

A ligação entre elas está comprovada num documento, mostrando que La Soberana, criada em 1999, teve como sócios duas pessoas ligadas aos donos da American. Confrontados com as informações, os donos da empresa brasileira inicialmente negaram, mas depois admitiram ter aberto La Soberana.

Ex-funcionário consta como sócio de empresa paraguaia

Entre os sócios da empresa paraguaia, está o designer gráfico Alexandre Galvão Leite, que foi funcionário da American até novembro de 2006 e hoje diz estar desempregado. Procurado pelo GLOBO, ele disse que não sabia que era dono da fábrica, mas contou que costumava ir ao Paraguai como funcionário da American Virginia, para desenvolver novos produtos.

O outro sócio de La Soberana, Joaquim José de La Torre Aranda, é amigo dos proprietários da American Virginia e, como eles, integrante do Marília Atlético Clube, que disputa a primeira divisão do Campeonato Paulista. Aranda foi procurado pelo GLOBO, mas em sua casa um parente se limitava a dizer que ele estava viajando.

Um dos donos e administrador da American Virginia, Mauro Donatti, disse não entender por que Galvão negou ser sócio de La Soberana. Ele afirmou que Galvão e Aranda foram escolhidos para montar a empresa paraguaia porque são pessoas de sua confiança e também dos principais sócios da American, Luiz Antonio Duarte Ferreira e José Luiz Lourenço.

Sobre as apreensões de cigarros contrabandeados com a marca da American Virginia, a empresa alega que os produtos são falsificações.