Título: O azar dos jogos
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 15/05/2007, O Globo, p. 2

Ontem, o governador de São Paulo, José Serra, entrou com ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra lei estadual que proíbe os jogos de azar no Estado de São Paulo. Serra não é a favor do jogo, mas não pode regulamentar uma lei inconstitucional. A Constituição diz que o assunto é de competência exclusiva da União. Em 2004, quando o presidente Lula baixou uma MP proibindo todos os jogos, o Senado a derrubou. "Está faltando coragem para enfrentar este assunto. Se empurrarmos a competência para os estados, faremos um mal imenso ao país", diz o deputado Roberto Magalhães (DEM-PE).

Ele foi relator da MP na Câmara, pesquisou e apontou os malefícios do jogo e defendeu sua aprovação, no que foi amplamente atendido pelo plenário. O jogo, visto como mera contravenção, está freqüentemente associado a organizações criminosas, à lavagem de dinheiro e a outros crimes. Há pouco, as operações Hurricane (Furacão) e Têmis, da Polícia Federal, mostraram a compra de sentenças por agentes do jogo, num ousado ato de corrupção do Judiciário.

Em 2003, quando Lula baixou a MP, havia estourado, pouco antes, o caso Waldomiro Diniz. O ambiente político era dos piores e a reação foi forte, invocando o drama dos que perderiam o emprego. A Câmara aprovou o substitutivo Magalhães, mas no Senado, para pirraçar o governo, a oposição o derrotou por 32 votos a 31 e algumas abstenções. Há outra leitura: o lobby do jogo é que foi vitorioso, e teve voto ou abstenções dos dois lados.

De lá para cá, a legislação sobre jogos entrou em torvelinho. Embora esteja de pé a premissa constitucional de que o assunto é da alçada federal, na ausência de regulamentação específica, muitos estados aprovaram leis locais legalizando o jogo. O STF considerou todas inconstitucionais. Em muitos estados, foram concedidas liminares permitindo o livre funcionamento dos caça-níqueis. Com a derrubada de algumas em São Paulo, onde existem mais de mil bingos, a PF pode levar a cabo sua operação.

Foi neste vácuo que a Assembléia Legislativa de São Paulo aprovou a lei estadual que Serra está contestando. Ela chegou a ser vetada pelo então governador Geraldo Alckmin, mas a Assembléia derrubou o veto e a promulgou.

- Aqui na Câmara há dezenas de projetos transferindo para os estados a competência de legislar sobre os jogos. Isso não pode acontecer - diz Magalhães.

A contestação de qualquer lei estadual, seja favorável ou contrária ao jogo, como a de São Paulo, ajuda a colocar as coisas em seu lugar. Mas cabe à União retomar a iniciativa legislativa sobre os jogos. Nesta zona cinzenta é que eles não podem ficar, favorecendo os crimes conexos à sua sombra.