Título: Apoio do Estado a mulheres divide opiniões
Autor: Galhardo, Ricardo e Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 15/05/2007, O País, p. 3

Senadora elogia declaração do Papa e militantes dizem que visão dele é conservadora

RIO, SÃO PAULO, RECIFE, FORTALEZA. O olhar do Papa Bento XVI para as mulheres da América Latina despertou simpatia, mas também desconfiança entre feministas e defensores dos direitos das mulheres. O discurso em defesa de uma ajuda estatal para garantir às mulheres a dedicação exclusiva aos filhos foi visto como um trunfo pela senadora Patrícia Saboya (sem partido-CE), mãe de quatro filhos e autora do projeto de lei que amplia a licença-maternidade, nas empresas privadas, para seis meses, apresentado em agosto de 2005. O projeto não obriga, apenas normatiza as ações das empresas:

- É gratificante ganhar um reforço de uma palavra do Papa, que foi recebido com tanto amor pela população. Quando ele manda essa mensagem, nos dá força nessa luta. Como autora do projeto, fico feliz.

Ao adotar a quarta filha, Maria Beatriz, há um ano e dois meses, a senadora enfrentou o que o Papa chamou de "desgraça da mentalidade machista". Não havia, no Senado, lei que garantisse a licença-maternidade:

- Antes, as senadoras tinham que pedir uma licença médica. O que eu digo sempre: 52% de nós somos mulheres. O restante são nossos filhos. É hora de nos respeitarem.

O presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Dioclécio Campos Junior, coordenador da campanha "Seis meses é melhor", sustenta que o apoio do Estado à ampliação da licença-maternidade é um investimento, não um gasto. Para ele, as declarações de Bento XVI poderão contagiar empresas, prefeituras e governos. Desde o começo da campanha, em 2005, 43 prefeituras e dois governos estaduais aderiram à ampliação do tempo de licença:

- A declaração dele é muito bem fundamentada. É nos primeiros seis meses que o cérebro cresce com mais velocidade: com nutrição adequada, e também pela interação afetiva do novo ser com a mãe, com o pai, com a família.

Integrante da Marcha Mundial das Mulheres, ONG feminista com representação em 68 países, Miriam Nobre critica o peso que o Papa deu às mulheres na agregação das famílias. Para ela, é hora de a sociedade dividir entre homens e mulheres a responsabilidade pela criação dos filhos.

Ela reconhece que existe uma tensão na vida cotidiana das mulheres: elas têm vontade e necessidade de ganhar e gerir o próprio dinheiro e, ao mesmo tempo, continuam responsáveis por cuidar dos filhos e da família:

- O Papa está chamando a atenção para um problema com o qual a sociedade está lidando mal. Mas a solução que ele apresenta é conservadora.

Miriam cita como experiência inovadora a de países da Escandinávia, onde pais e mães dividem as licenças depois do parto, por um período de um ano.

Para a sexóloga Regina Navarro Lins, numa sociedade igualitária, sem machismos, a mulher precisa ter projetos pessoais e profissionais e independência financeira:

- A tarefa de cuidar dos filhos tem que ser dividida com o marido, esteja separado ou não. Quanto à ajuda do Estado, a luta deve ser por mais espaço profissional para as mulheres, salários melhores. Tem que abrir creches, ter política para distribuição de pílula anticoncepcional e de estímulo ao uso de camisinha.

Para Carla Batista, Secretária Executiva da Articulação das Mulheres Brasileiras, o Papa defende um modelo patriarcal, que, além de ser desigual para as mulheres, é responsável por grande parte da violência contra a mulher:

- Esse modelo sempre foi de desigualdade e de desvantagem para as mulheres. Ele valoriza o trabalho doméstico, que sempre foi considerado de valor menor na sociedade. O modelo patriarcal que está aí é responsável por grande parte da violência contra a mulher. A maior parte das agressões ocorre dentro de casa.

A pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) Giovana Perlin, estudiosa de casamentos em que o homem e a mulher trabalham fora, considerou retrógrada a afirmação do Papa:

- Esse movimento de volta das mulheres aos trabalhos domésticos é uma afronta à igualdade, ao amor ao próximo e aos valores democráticos defendidos pela própria Igreja.

A coordenadora estadual do Fórum Cearense de Mulheres, Beth Ferreira, disse que a proposta do Papa é machista. Segundo ela, o movimento das mulheres cobra do Estado o compromisso com a inclusão das mulheres na esfera de poder.

A vendedora Orisman do Amaral, 51 anos, diz que criou os três filhos "no muque". Está desempregada há dez anos. Católica, ganha comissão vendendo jornais da Igreja na Catedral da Sé. Viu Bento XVI de longe, no Mosteiro de São Bento.

- Deveria ter mesmo um salário para a dona-de-casa, para ser mãe - disse ela.

Em carta aberta divulgada ontem, representantes de 30 organizações de mulheres de todo o país apóiam o presidente Lula pela defesa da separação Estado-Igreja e declaram apoio ao ministro da Saúde. "As organizações vêm a público reafirmar seu compromisso com a defesa do princípio constitucional do estado laico, a defesa dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos para todas as pessoas, assim como a defesa do direito à vida e à saúde para todas as mulheres", diz a nota.