Título: Lula descarta projeto sobre aborto
Autor: Galhardo, Ricardo e Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 15/05/2007, O País, p. 3

DEPOIS DO PAPA

Presidente defende "integração religiosa" na AL, apesar de reafirmar que Estado é laico.

Um dia depois da partida do Papa Bento XVI, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva descartou a possibilidade de o governo enviar qualquer projeto de lei ao Congresso sobre o aborto, como já defendeu o ministro da Saúde, José Gomes Temporão.

- O governo não vai enviar projeto, não vai - disse Lula.

Ele afirmou não ter tratado de temas polêmicos, como aborto, pesquisas com células-tronco embrionárias e pena de morte, em seu encontro reservado com o Pontífice, quinta-feira, em São Paulo. Para Lula, aborto é um assunto que deve ser resolvido pelo Congresso, e não pelo Executivo:

- Não iria ficar discutindo com o Papa temas que não estão na ordem do dia e sobre os quais há divergências (entre governo e Vaticano), como pena de morte, células-tronco e aborto. Na medida certa e no tempo certo os congressistas vão se acertando e resolvendo as coisas.

Declarações do ministro Temporão, e do próprio presidente, sobre o aborto, dias antes da chegada de Bento XVI ao Brasil, reacenderam a discussão. Na véspera da chegada do Papa, Lula disse ser pessoalmente contrário ao aborto mas que, como presidente, deveria tratar o tema como um caso de saúde pública.

Diante da pressão do Papa para um acordo diplomático que concederia vantagens à Igreja (como o ensino religioso obrigatório e questões trabalhistas), o presidente disse ter apenas reafirmado a Bento XVI o que diz a Constituição:

- Disse ao Papa aquilo que está na Constituição. O Brasil é um Estado laico. Isso está na Constituição. O que eu queria ter como imagem (da visita de Bento XVI) é que a passagem do Papa pelo Brasil foi uma coisa extraordinária - disse.

O ministro Temporão está na Suíça. Sua assessoria afirmou que ele nunca disse que o governo enviaria projeto sobre aborto ao Congresso. Segundo a assessoria, o ministro defendeu o plebiscito sobre o tema por tratar-se de um problema de saúde pública.

Papa defendeu muito o social, diz

Em seu programa de rádio, Lula elogiou o Papa e voltou a defender o Estado laico. Também disse que é importante respeitar todas as religiões:

- Há muitas religiões no Brasil, e precisamos conviver com todas elas da forma mais respeitosa e mais democrática possível. Portanto, estou convencido de que o Estado laico é uma garantia da sustentação democrática também para o Brasil.

Sem entrar em detalhes, o presidente apregoou a necessidade de uma integração religiosa na América Latina:

- Estamos há algum tempo falando em integração na América Latina, integração cultural, social, energética, de ferrovia, tudo. E é importante que haja uma integração religiosa.

Lula defendeu o Papa daqueles que o classificam de conservador e disse que viu o Pontífice como alguém comprometido com as causas sociais:

- Muita gente fala, escreve e dá palpite dizendo que o Papa era extremamente conservador e queria tocar apenas em temas conservadores quando, na verdade, o que aconteceu foi que o Papa teve um comportamento de muito compromisso com as questões sociais.

Em suas mensagens, Bento XVI criticou o capitalismo, o marxismo, o autoritarismo, mas também voltou a falar contra o aborto e pregou a castidade tanto para os solteiros quanto para os casados.

O presidente disse que "o Papa teve toda a sensibilidade de ouvir, praticamente, todos os segmentos da sociedade", e disse que as mensagens papais foram ao encontro do que ele, Lula, esperava: abordaram temas como a juventude e a família, "temas de extrema importância para que o Brasil continue discutindo depois da saída do Papa". Lula contou que falou com o Papa sobre programas sociais.