Título: Fazendeiro nega ter mandado matar Dorothy
Autor: Guedes, Rafael e Soares, Cléo
Fonte: O Globo, 15/05/2007, O País, p. 10

Bida diz em julgamento que sequer conhecia a missionária, mas confirma encontro com pistoleiros Rafael Guedes* e Cléo Soares*

BELÉM. Quarto réu a ser julgado pela morte da missionária americana Dorothy Stang, o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, negou ontem, ao ser interrogado pelo juiz Raimundo Alves Flexa, no Tribunal do Júri, que tenha participado do plano para matar a freira. Confirmou, porém, ter sido procurado em casa pelos pistoleiros, logo após o assassinato, e sugerido que eles fugissem. Vitalmiro é acusado pelo Ministério Público de ser o mandante do crime, junto com outro fazendeiro, Regivaldo Galvão, o Taradão.

Em duas horas de interrogatório, ele admitiu que conhecia Amair Feijoli da Cunha, o Tato, condenado como intermediário na contratação dos pistoleiros. Vitalmiro disse, porém, que tinha apenas negociado terras com Amair. Disse ainda ter visto "duas, três vezes" Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, o pistoleiro condenado como executor do crime. Mas negou que tenha participado de reunião para ordenar a execução da freira:

- Não conhecia a freira e não participei de crime algum.

Pistoleiros dormiram nas terras de Bida após crime

Dorothy foi morta em 12 de fevereiro de 2005, em Anapu, no sul do Pará, por sua defesa dos trabalhadores de um assentamento. Vitalmiro está sendo julgado por homicídio duplamente qualificado, com promessa de recompensa, motivo torpe e uso de meios que impossibilitaram a defesa da vítima. O julgamento deve se estender até amanhã.

Vitalmiro disse que foi procurado pelos assassinos da freira, que lhe contaram sobre o crime. Afirmou que pediu aos dois que fossem embora e não o envolvessem em problemas. Segundo o fazendeiro, os executores teriam ficado em sua fazenda sem sua autorização, abrigando-se próximo a um igarapé. O promotor Edson Cardoso perguntou por que, tendo conhecimento do crime, não procurou a polícia. Vitalmiro alegou que a fazenda não tinha telefone e que as distâncias eram muito grandes. E disse que fugiu porque tinha medo de morrer.

A promotoria apresentou um vídeo com a reconstituição do crime por Rayfran e depoimentos de pessoas ligadas à freira. Na tentativa de desqualificar o depoimento de Amair, que aponta Vitalmiro como o mentor do crime, os advogados de defesa tentaram alegar que Amair fez uma confissão forçada.

À tarde, foram ouvidas testemunhas de acusação e depois de defesa. Rayfran inocentou Vitalmiro, desmentindo depoimento anterior. Depois de ouvir a leitura do que disse no julgamento que o condenou a 27 anos de prisão em regime fechado, Rayfran disse que apenas parte do depoimento era verdade. Negou ter tentado matar a irmã Dorothy na véspera do crime e disse que não houve a promessa da quantia de R$50 mil para matar a freira:

- Eu não estava lá em Anapu para matar ninguém, estava plantando capim nas terras do Tato. Eu a matei porque me senti ameaçado pelo seu grupo.

Rayfran confirmou ainda a versão de que ele, Clodoaldo e Tato dormiram dentro da fazenda de Vitalmiro sem o conhecimento do fazendeiro. Disse que enterrou a arma na propriedade porque não queria sair de lá portando a arma do crime.

- Coloquei no plástico e enterrei lá, sem ordem de Bida, para que ninguém me encontrasse com aquela arma.

Promotor vê indícios de envolvimento

Para o promotor Edson Cardoso, o fato de não ter procurado a polícia sugere o envolvimento de Vitalmiro no crime.

- Como ele passou dez dias foragido?

Também prestaram depoimento o policial federal Wallame Machado, que à época acompanhou as investigações; a missionária Roberta Lie, amiga de Dorothy Stang; e o delegado Waldir Freira, então chefe da Polícia Civil no interior do estado.

Reunidas no Comitê Dorothy, 35 entidades locais e nacionais e três internacionais compareceram ontem à Praça Felipe Patroni, em frente ao Fórum, para acompanhar o julgamento de Vitalmiro. Por falta de espaço na Salão do Tribunal, muitos manifestantes escutaram o julgamento por caixas de som instaladas na área externa do prédio. De acordo com o comitê, perto de 650 pessoas participaram da manifestação, celebrando missas e denunciando crimes contra trabalhadores rurais em todo o país.

David Stang, irmão de Dorothy, mostrou-se preocupado com a decisão da Justiça:

- A história do Pará é de não punir agressores (de trabalhadores rurais). Minha irmã foi morta com seis tiros, a sangue frio.

Ele lembrou que, pouco antes do crime, a missionária havia relatado que estava preocupada, pois vinha sendo aterrorizada por fazendeiros, e, em português, concluiu:

- Queremos justiça.

O frei Henry des Roziers, representante da Comissão Pastoral da Terra, afirmou acreditar na condenação de Vitalmiro.

- Acho muito mais problemática (a condenação) do outro (Regivaldo Galvão), que ainda responde em liberdade. O problema é ir até a raiz, ao grupo que organiza esses assassinatos - enfatizou.