Título: O dom de iludir
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 16/05/2007, O Globo, p. 2

A ansiedade e a excitação dos que sonham com a sucessão é letal para os governantes. Contentá-los e serená-los é crucial, e exige habilidade. Se o mandato está no início, é importante retardar o surgimento de projetos concorrentes ou o estabelecimento de um pólo de poder futuro. Faz isso o presidente Lula quando afirma, como na entrevista coletiva de ontem, que apoiará um candidato de sua coalizão. Mas ele vai ainda além, quando insinua uma aproximação com a oposição: se não haverá ninguém absolutamente anti-Lula, em nenhuma hipótese ele será perdedor.

Começou depois da reeleição a construção dessa idéia de um outro Lula, menos petista, que paira sobre toda a coalizão, dialoga com amigos no PSDB e aposta num DEM menos raivoso. Ontem , ela ficou bem clara, e surtiu o efeito aparentemente desejado. Todos na base aliada ficaram felizes, embora todos saibam que será muito difícil convencer o PT a não ter candidato a presidente. Mas, também isso, Lula empurra para adiante. Com o dom de iludir, propiciado pelo poder do qual desfruta hoje, acena a todos com a possibilidade de herdarem a coroa. Inclusive os da oposição. Ora, se todos podem, nenhum o ameaça, ninguém se movimentará antes da hora. Depois de passar o final de semana afagando Ciro Gomes, mandou o PMDB buscar contato imediato, de primeiro grau, com o governador Aécio Neves. Horas depois, ele mesmo apareceu trocando sorrisos e amabilidades políticas com o governador José Serra, enquanto recebiam o Papa. Um Lula que se dá bem com todas essas figuras, que declara querer fazer o sucessor, mas admite ser sucedido por qualquer um deles, está se colocando na posição especial de quem não será derrotado em nenhuma hipótese. Fernando Henrique, de certo modo, ensaiou fazer o mesmo. Não tendo feito o sucessor, colou-se em Lula, oferecendo-lhe uma transição civilizada e amigável. Alguns dos seus chegaram a ser mantidos nos cargos pelo novo governo, mas depois as coisas azedaram. FH diz até hoje que, em troca, Lula não lhe ofereceu sequer um café, e começou a falar mal de seu governo. Lula se queixa da virulência com que foi por ele atacado em 2005.

Mas, quando admite falar de 2010, Lula não está, de todo modo, pondo lenha na sucessão? Falar dela é inevitável quando o governante já foi reeleito e não será candidato no pleito seguinte. Os apetites estão soltos. Não sendo possível ignorá-los, o melhor é contê-los. Nisso, Lula acerta, do seu ponto de vista.

Em relação ao futuro, importante foi o repúdio ao especulado terceiro mandato. Ao descartá-lo, Lula dá uma contribuição à estabilidade, à previsibilidade política. Não é sério um sistema que admite mudanças a toda hora, e muito menos mudanças em favor daquele que está no governo. Os que mais difundem a idéia de que Lula pensa no terceiro mandato são exatamente os que gostam de compará-lo a Chávez e teria um, até agora contido, comichão autoritário. Em atos e práticas, ele ainda não se manifestou. Nas palavras, cada um vê o que quer. Em fevereiro, num café com jornalistas, ele já havia descartado a busca de nova reeleição. Mas o rumor persistiu, justificando a pergunta e provocando a negativa categórica.

- Eu quero dizer para vocês: sou contra e não serei candidato em 2010. Não é por nada não, é porque a Constituição não permite, a lei não permite e eu acho imprudente alguém tentar apresentar qualquer mudança, permitindo um terceiro mandato. (...) Por não brincar com a democracia, não serei, nem pensarei, nem cogitarei qualquer hipótese de terceiro mandato.

Quando faz isso, Lula volta a declarar-se contra a reeleição e a defender o mandato de cinco anos. O ex-líder tucano Jutahy Magalhães o desafia:

- Só saberemos se ele é mesmo contra a reeleição, se mandar uma emenda acabando com ela.

Lula já disse que não fará isso, considerando que a iniciativa deve ser dos partidos. No fundo, tanto ele como os tucanos têm dúvidas sobre o que isso pode significar para seus projetos. Com muito menos ênfase, Lula descartou uma volta em 2014.