Título: Que haja o debate, diz Lula sobre o aborto
Autor: Gois, Chico de e Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 16/05/2007, O País, p. 3

A SEGUNDA VEZ

Presidente afirma que legislação sobre a prática está defasada.

Um dia depois de ter dito, no interior de São Paulo, que não enviaria um projeto de lei ao Congresso para tratar da descriminalização do aborto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a legislação sobre o assunto está defasada em relação à realidade brasileira e, indiretamente, defendeu que ela seja atualizada. Na segunda entrevista coletiva concedida desde que tomou posse, em 2003, o presidente voltou a afirmar que, pessoalmente, é contra o aborto, mas que, como presidente da República, quer que o tema seja tratado como problema de saúde pública:

- Sou contra o aborto, sou favorável a que haja o debate, e acho que o Estado tem que tratar o assunto como uma questão de saúde pública. Já tem legislação sobre o assunto. A legislação brasileira já define os casos em que a pessoa pode fazer o aborto. Acho que essa legislação não trata da veracidade dos acontecimentos no país.

O presidente foi mais evasivo ao falar do problema da segurança pública, lembrando que o governo federal é linha auxiliar dos governos estaduais nesse setor. Uma das soluções propostas pelo presidente é "cuidar da juventude". Lula admitiu, porém, que o Estado não dará conta, sozinho, do problema. Disse que o sistema de segurança que funcionará nos Jogos Pan-Americanos, em parceria com o governo do Rio, servirá como uma espécie de teste para ser implementado depois em outros locais do país.

Lula também admitiu a possibilidade de encontrar uma forma para que os estados possam aumentar seus investimentos sem, no entanto, fazerem a "farra do boi", como classificou a gastança que havia antes da Lei de Responsabilidade Federal (LRF).

ABORTO: "Como cidadão, sou contra o aborto. E não acredito que tenha uma mulher neste país que seja favorável ao aborto, como se o aborto fosse uma coisa que as pessoas quisessem fazer porque querem fazer. Agora, como chefe de Estado, sou favorável a que o aborto seja tratado como uma questão de saúde pública, porque é preciso que o Estado dê atenção a pessoas que tiveram gravidez indesejada. É importante saber como é a vida das pessoas, como é que uma menina de 16, 17 anos, às vezes, até por falta de orientação, ficou grávida, a família não quer o filho, e, muitas vezes, o pai a toca de casa ou, muitas vezes, o namorado a abandona. Então, o Estado, diante desses fatos, tem que tratar como uma questão de saúde pública, porque eu conheço casos de pessoas que perfuraram o útero com agulha de tricô, conheço casos de pessoas que tomaram chá de caroço de abacate (...) e essas pessoas terminavam morrendo. Então, o Estado tem que ter responsabilidade. Agora, se o Congresso quiser fazer um debate (...). Aliás, poderia ser feito pela televisão (...). A legislação já define os casos em que a pessoa pode fazer o aborto. (...) Acho que essa legislação não trata da veracidade dos acontecimentos no país. Todos vocês sabem, todo cidadão, católico ou não, cristão ou não, sabe que existe no Brasil uma quantidade exagerada de jovens, de pessoas que praticam abortos, porque tiveram uma gravidez indesejada, não é apenas porque foram violentadas. Às vezes, ficaram grávidas e não querem ter um filho. Ora, quando essas pessoas se encontram nessa situação, o poder público faz o quê? Abandona? Deixa essas pessoas tentarem experiências com o seu pouco conhecimento? Ou o Estado intervém para ajudar essas pessoas a terem um tratamento adequado? Eu defendo que o Estado dê um tratamento adequado.

VIOLÊNCIA/SEGURANÇA PÚBLICA: "Na questão da segurança pública, o governo federal não é um foco principal, é uma força auxiliar de um sistema que é majoritariamente controlado pelos estados. O governo federal só entra quando é pedido, como no Espírito Santo e no Rio de Janeiro. Eu sei que o problema da segurança é um problema delicado, que envolve a juventude brasileira, mas não foram poucas as coisas que criamos para eles. O ministro Tarso Genro vai anunciar um pacote de medidas para a área de segurança. Nós precisamos trabalhar com todas as forças da sociedade brasileira. O Estado não tem competência para resolver esse problema sozinho".

SEGURANÇA/PAN: "Quando chegar o Pan, teremos um modelo de uma coisa que vai continuar no Rio quando acabar o Pan. É uma experiência que estamos fazendo, que pode ficar no Rio depois que os atletas forem embora. O Rio poderá virar uma espécie de início da virada na política de segurança pública do nosso país."

SUCESSÃO/TERCEIRO MANDATO: "Sou contra e não serei candidato em 2010. Não é por nada, não, é porque a Constituição não permite, a lei não permite, e eu acho imprudente alguém tentar apresentar qualquer mudança, permitindo um terceiro mandato. Eu fui obrigado a ser candidato à reeleição, porque a situação política exigia que eu fosse o candidato. Por não brincar com a democracia, não serei, nem pensarei, nem cogitarei qualquer hipótese de terceiro mandato".

DÍVIDAS/ESTADOS: "Obviamente que algumas reivindicações (dos governadores) serão atendidas. No próximo mês chamarei os governadores para uma nova reunião. (...) É normal que os governadores queiram mais dinheiro e mais capacidade de endividamento. E também é normal o tesoureiro do país sentar em cima do dinheiro e dizer "aqui ninguém tasca". Os governadores querem aumentar a capacidade de endividamento, sou favorável (...). O nosso desafio é fazer esse ajuste sem permitir que, ao criar condições para que um prefeito ou um estado tenha um pouco mais de capacidade de investimento, a gente volte a permitir a famosa "farra do boi", que acontecia neste país durante séculos e séculos, em que os estados deviam quatro ou cinco vezes o que arrecadavam, e os governadores, num mandato de quatro anos, faziam dívidas que levariam 20 anos para pagar. Essa irresponsabilidade não voltará mais".