Título: O dólar vai à lona
Autor: Eloy, Patricia
Fonte: O Globo, 16/05/2007, Economia, p. 21

Forte entrada de recursos faz moeda fechar no menor nível desde 2001. Analistas esperam cotação perto de R$1,80 e dizem: "Abriu a porteira".

Depois de mais um dia de queda-de-braço com o mercado financeiro, o Banco Central (BC) entregou os pontos e o dólar foi a nocaute. A moeda furou ontem, pela primeira vez em quase seis anos e meio, o patamar dos R$2, encerrando os negócios a R$1,983, em queda de 1,29%, de volta ao nível de 9 de fevereiro de 2001. E, segundo analistas, não há limites para a cotação a curto prazo. A expectativa é que, nos próximos dias, o dólar possa ser negociado próximo aos R$1,80, o que não é visto desde 2000.

A entrada maciça de recursos no país (devido aos juros elevados), a ampla liquidez internacional, as apostas recordes dos investidores estrangeiros numa queda do dólar e as boas perspectivas de crescimento para a economia brasileira e de outros emergentes inundaram o mercado de dólares, empurrando as cotações para níveis inimagináveis há cerca de cinco anos, quando a moeda atingiu R$3,99, em meio às especulações com as eleições presidenciais. Desde então, o real já se valorizou em 101,21%.

Os investidores já esperavam que, em algum momento, o dólar caísse abaixo de R$2, mas uma política agressiva do BC - que comprou US$42,8 bilhões apenas este ano no mercado - vinha conseguindo amortecer o ritmo de queda. Anteontem, uma semana e meia após a autoridade monetária gastar US$4 bilhões em um dia para impedir que o dólar se aproximasse dos R$2, a estratégia mudou. Pela primeira vez, membros do governo, como o ministro da Fazenda, Guido Mantega, alteraram o discurso em defesa do real mais fraco e passaram a dizer que a queda do dólar é, sim, uma tendência da economia.

Moeda atinge valor mínimo após leilão

Em paralelo, o BC reduziu o ritmo de intervenções, abrindo espaço para que o dólar chegasse a R$1,983. Ontem, a moeda rompeu os R$2 às 10h30m. Ainda assim, a instituição só interveio no câmbio no fim da tarde, comprando o equivalente a US$600 milhões. Após o leilão, o dólar atingiu a mínima do dia: R$1,979.

- O mercado percebeu que o jogo mudou. Abriu a porteira. Sem o BC e com a mudança de discurso dos integrantes do governo, quem ainda segurava dólares vendeu tudo o que podia. Agora, caminhamos para um nível mais próximo de R$1,80 - afirma Mário Battistel, diretor de câmbio da corretora Novação.

Apostas agressivas numa queda do dólar feitas por investidores estrangeiros na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) alimentam o dólar mais fraco. As operações, que somavam US$6,7 bilhões em dezembro de 2006, chegaram a US$13 bilhões no mês passado e, este mês, já atingem pouco mais de US$16 bilhões. Nos últimos quatro dias úteis, esse volume cresceu em quase US$2 bilhões.

Além disso, atentos à queda do dólar, os exportadores têm antecipado a entrada de recursos, temendo uma cotação mais baixa. Embora o saldo da balança comercial mostre que somente US$12,9 bilhões foram efetivamente vendidos ao exterior, US$30,4 bilhões entraram no mercado doméstico no ano até abril, segundo dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

- O fluxo cambial é muito maior do que o que o BC consegue absorver. Até mesmo porque as intervenções são paliativas. Ao tirar o pé do freio, nos últimos dias, o BC abriu espaço para o dólar derreter. Isso, somado à mudança de discurso, pode levar a moeda para R$1,85 - diz Mário Paiva, analista da corretora Liquidez.

Para Emy Shayo, diretora-gerente do banco Bear Stearns, não adianta o BC lutar contra a tendência mundial de desvalorização do dólar:

- A Colômbia tentou o controle de capitais, mas foi inócuo. Já a Turquia, envolta em turbulências políticas, só viu sua moeda se apreciar. É isso que se espera também no Brasil. A economia brasileira está mais estável, favorecendo a entrada de capitais. Além disso, os juros são uma enormidade e os saldos comerciais, idem, por isso o dinheiro continua e vai continuar entrando no país.