Título: Câmbio flutuante
Autor: Thome, Deborah
Fonte: O Globo, 16/05/2007, Economia, p. 22

Deu-se o susto: o dólar atravessou a barreira dos R$2. O Banco Central vinha tentando evitar que isso acontecesse com a compra de moeda americana, mas ontem ela acabou fechando até mesmo abaixo dos folclóricos "R$1,99". Com uma valorização nominal de 53% nos últimos três anos e 10% nos últimos 12 meses, tudo indica que a alta do real vai continuar. Esse movimento, que tem incomodado o governo e vários setores da economia, não é exclusivo do Brasil.

As manchetes dos jornais on-line colombianos ontem tratavam do mesmo tema que os brasileiros: a enorme queda do dólar. O patamar do peso colombiano, que está na liderança das moedas que mais subiram no ano e nos últimos 12 meses, como mostra a tabela abaixo, era motivo de preocupação. O artifício que vinha sendo usado, a compra de dólares pelo Banco Central, também não estava sendo suficiente para parar o movimento. Lá como cá. Dizia o "El Tiempo": "Um dólar tão barato assim não se via desde 2000. A queda de maio foi uma das mais rápidas e fortes de que se tem memória (...) Mas o fenômeno não é exclusivo da Colômbia, está acontecendo em vários países em desenvolvimento."

De fato, isso tem acontecido. O dólar está caindo em relação à maioria das moedas que flutuam; o que não é o caso da China, onde a taxa de câmbio é decidida a canetada. Esse argumento da queda generalizada foi também usado pelo presidente Lula na coletiva para os jornalistas. Na pergunta sobre câmbio, o presidente prontamente argumentou que se "fica dizendo que o real está valorizado sem reconhecer que o dólar está se desvalorizando diante de quase todas as moedas do mundo". E depois afirmou: "O câmbio vai continuar sendo flutuante e vai se ajustar."

Nos últimos tempos, o dólar vem flutuando, digamos, com algumas restrições, pois, sempre que se aproximava dos R$2, o Banco Central entrava comprando para tentar forçar uma alta. De um modo geral, há no mercado um consenso quanto à flutuação, mas Paulo Rabello de Castro, da RC Consultores, brinca com a idéia:

- O problema é que o dólar no Brasil flutua como um barquinho de papel lotado de pedra.

Essas pedras são, segundo ele, todas as outras dificuldades que as empresas exportadoras brasileiras enfrentam, sobretudo o alto volume de impostos. Com esse cenário e o câmbio jogando contra, acaba ficando mais barato produzir fora do país. Indústrias que já tinham plantas em outros países estão transferindo produção; algumas estão agora indo para o exterior. Na visão de Rabello de Castro, uma queda mais acentuada dos juros poderia conter esse movimento de baixa do dólar. Se a Selic passasse a cair 0,5 ponto percentual, isso manteria o dólar acima dos R$2. Mas, se nada mudar, mesmo com as intervenções do BC, ele acha que a taxa de câmbio chegará a R$1,90 no próximo trimestre.

- O juro nominal não pode estar acima de 10% - afirma Rabello de Castro.

Já Luís Fernando Lopes, do Pátria, acha que os juros, embora sejam um fator a se considerar, não têm tanta relevância na queda brusca do dólar. Ele enumera um conjunto de fatores que fazem o real ficar mais forte: cenário mundial favorável, baixa aversão ao risco, preço das commodities que exportamos, balanço de pagamentos acumulado em 12 meses em R$48 bilhões.

- O Banco Central não pode nem deve mudar sua política monetária. Pode pensar em políticas pontuais mas, ainda assim, isso apenas diminuiria a velocidade da queda. O estrago do dólar mais baixo ainda não foi sentido na balança comercial - diz Lopes.

A balança vinha parecendo imune à queda do dólar. Só agora começa a mudar um pouco. Este ano, as exportações crescem 18%, mas, como as importações, subiram mais, 27%, os saldos de 2007 e 2006 estão parecidos. O problema: o Brasil está concentrando suas exportações cada vez mais em commodities, ou produtos semi-industrializados.

- O agregado das exportações não perdeu competitividade, mas perderam os produtos de maior valor agregado - comenta Lopes.

Os setores calçadista e têxtil foram os primeiros a sofrer e a chiar por causa do dólar baixo. Agora, a grita vai se espalhando. Resta saber se há algum mecanismo para parar o movimento. Afinal, é da natureza do câmbio flutuante flutuar.