Título: Se está doendo, jeito é importar mais
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 16/05/2007, Economia, p. 22

DÓLAR VAI À LONA: Para ex-presidente do BC, há "protecionismo escondido".

Economista acredita que corte mais rápido do juros não afetará câmbio.

Gustavo Franco só vê uma maneira de evitar a queda do dólar ladeira abaixo: mais abertura às importações. Na sua opinião, ficou claro que o Banco Central (BC) não consegue segurar as cotações. Ele argumenta que a abundância no ingresso de dólares é via comércio e, por isso, precisa ser enfrentada pelo mesmo canal. O economista, que hoje está na Rio Bravo Investimentos, era o presidente do BC em janeiro de 1999. Viu o real ir à lona e deixou o governo às vésperas da mudança para o regime de câmbio flutuante.

Luciana Rodrigues

O dólar não só furou os R$2 como parece caminhar ladeira abaixo?

GUSTAVO FRANCO: É isso mesmo. No fim de 2006, as intervenções do Banco Central (BC) e do Tesouro somavam em média US$5 bilhões por mês. Nosso câmbio flutuante não estava muito flutuante faz tempo. Na passagem de 2006 para 2007, veio uma sazonalidade favorável que foi a mudança de governo (a reeleição de Lula). Muita entrada represada aconteceu e o ritmo de intervenção subiu para uns US$8 bilhões (por mês). Depois foi a US$10 bilhões e já estava chegando perto de US$15 bilhões. Ficou claro que não dava mais para sustentar as trincheiras anteriores. Agora, não há nenhuma esperança de que o BC consiga defender qualquer nível sem começar a comprar volumes absurdos de dólares.

O sinal que o governo passou ontem e hoje foi esse, de que não vai mais tentar segurar o dólar?

FRANCO: Eu acho que sim. O próprio mercado percebeu que, de um lado, o Banco Central não iria comprar qualquer quantidade, não iria fazer dos R$2 uma trincheira, porque seria criar uma batalha à toa. Parece muito o período do começo do real até 1997 e 1998. Mas, naquela época, a abundância (de dólares), embora fosse substancial, era na conta de capitais, então dava para combater com outros instrumentos, como foi o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras, que incide, por exemplo, nas compras em cartão de crédito no exterior). Hoje não dá, hoje é o comércio (ou seja, o superávit comercial). A única coisa que faria essa situação reverter é a importação.

O dólar abaixo de R$2 é bom ou ruim?

FRANCO: Não é bom nem ruim, é um fato da vida. É preciso viver com isso. Se a autoridade (o governo) pudesse escolher, creio que não escolheria esse nível. Como também se pudesse escolher, não escolheria ter juros de 13%, poderia ter juros de 3%. Se a gente pudesse escolher o salário mínimo, poderia colocar em US$5 mil. Mas infelizmente a vida econômica é cheia de constrangimentos. E o mercado de câmbio está sobreofertado. Em qualquer mercado, se há excesso de oferta, o preço vai cair e com força, como é o caso agora. É um consenso no mercado que os juros vão cair mais, que será meio ponto percentual em vez de 0,25 na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária). Mas não acho que isso tenha tanto efeito no mercado de câmbio.

O dólar abaixo de R$2 permitiria o ajuste de cotações via importação?

FRANCO: O que estamos aprendendo é que o crescimento da importação é algo que depende de uma certa mudança de postura. Prevalece nas empresas um certo medo, um certo preconceito contra a importação. O Finame (financiamento do BNDES), por exemplo, tem restrições a máquinas com conteúdo importado. Há protecionismo escondido em várias partes da economia. A importação deveria estar mais próxima da exportação, e o governo deveria pensar em maneiras de apressar o crescimento da importação, porque é o único jeito. De forma estrutural, ou conjuntural, se o câmbio baixo está doendo, o jeito é importar mais.