Título: Posse sob fogo cruzado
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 16/05/2007, O Mundo, p. 30

Sarkozy assume Presidência da França criticado por direita e esquerda por cooptar socialistas.

Nicolas Sarkozy assumirá hoje a Presidência da França numa cerimônia sem pompas, sob fogo cruzado da oposição de esquerda e das trincheiras da direita. Sua decisão de convidar personalidades socialistas para integrar o governo gerou protestos dentro de seu próprio campo direitista e irritou a oposição, que viu nisso uma manobra para dividir a esquerda. Ontem, enquanto Chirac se despedia dos franceses na televisão dizendo ter o sentimento de ¿dever cumprido¿, Sarkozy se preparava para pôr em prática seus dois grandes lemas de campanha: ruptura e reforma.

A sua primeira ¿ruptura¿ é uma verdadeira revolução na direita: está praticamente certa a nomeação de Bernard Kouchner ¿ um ministro do governo socialista de François Mitterrand e um dos fundadores da organização Médicos sem Fronteiras ¿ para assumir um dos principais ministérios, o das Relações Exteriores. Jean-Pierre Jouyey, que foi diretor-adjunto do Gabinete do premier socialista Lionel Jospin, foi outro sondado para integrar a equipe de Kouchner. O socialista Hubert Védrine, ex-ministro das Relações Exteriores, também foi visto saindo da sala de Sarkozy no dia 11.

Na UMP, decepção; no PS, advertências

Na direita, o flerte do novo presidente com a oposição já fez descontentes. Jacques Myard, deputado da UMP, partido de Sarkozy, disse ter digerido mal a esperada nomeação de Kouchner e avisou não é ¿nem de longe¿ o único insatisfeito. No Partido Socialista (PS), os que caem na sedução de Sarkozy são vistos como traidores.

¿ Nicolas Sarkozy tenta... vamos ver. Hubert Védrine participou da minha campanha. É impressionante quando penso nos argumentos críticos (em relação a Sarkozy) que ele me forneceu ¿ disse Ségolène Royal, a candidata socialista derrotada no segundo turno.

O secretário-geral do PS, François Hollande ¿ marido de Ségolène¿ também fez advertências aos possíveis vira-casacas do partido:

¿ Será um governo da direita, que conduzirá políticas da direita, com um presidente da direita.

Kouchner também esteve presente nos ¿debates participativos¿ da campanha de Ségolène.

A ex-ministra socialista Elisabeth Guigou foi mais longe:

¿ Os que aceitam são cúmplices de uma manobra que visa pura e simplesmente a acabar com a esquerda nas eleições legislativas ¿ disse.

A grande preocupação por trás da revolta ¿ tanto na esquerda quanto na direita ¿ são as eleições legislativas de junho, que vão escolher o novo Parlamento. Muitos deputados de direita passaram anos demonizando a esquerda. E vice-versa. A campanha local fica mais difícil quando se tem que justificar um governo que convida rivais históricos para se sentarem à mesma mesa.

Coube a Brice Hortefeux, um dos principais homens de Nicolas Sarkozy, dizer às claras: o momento, afirmou, não é de ¿recompensas¿ (para os que apoiaram Sarkozy na direita), mas sim de ¿reunião de talentos¿.

¿ O presidente eleito nunca prometeu cargo a quem quer que seja. A convicção de Nicolas Sarkozy é de que a equipe que será constituída não se resuma a um clã, e aí está a novidade ¿ argumentou Hortefeux, referindo-se aos insatisfeitos dentro do partido de Sarkozy.

Chirac se dedicará a causas mundiais

Ao fazer seu discurso de despedida na TV ontem, o presidente Jacques Chirac, de 74 anos, disse que pretende se dedicar a fazer campanha pelo desenvolvimento sustentável e pelo diálogo entre as culturas.

A cerimônia de passagem de poder entre Chirac e Sarkozy começa às 11h (horário de Paris) e terá uma inovação: uma homenagem a jovens da resistência fuzilados durante a Segunda Guerra Mundial. O novo presidente chegará num automóvel ao Palácio do Eliseu, residência dos chefes de Estado, atravessará o pátio e passará em revista a Guarda Republicana antes de ser recebido por Chirac, na porta principal.

Os dois irão ao escritório presidencial, onde Jacques Chirac transmitirá a seu sucessor o código secreto para acionar as armas nucleares, uma das principais responsabilidades do presidente francês. Sarkozy acompanhará Chirac até a saída, e em seguida fará seu primeiro discurso na sala de festas do Eliseu. Nos Invalides, onde está enterrado Napoleão Bonaparte, serão disparados 21 tiros de canhão. A cerimônia terminará com Sarkozy desfilando na célebre Avenida dos Champs Elysées para colocar uma coroa de flores sob o Arco do Triunfo em homenagem aos jovens da resistência fuzilados pelos nazistas.