Título: Os especialistas e o efeito manada
Autor: Tolmasquim, Mauricio
Fonte: O Globo, 17/05/2007, Opinião, p. 7

Nas últimas semanas, na esteira do debate sobre o licenciamento das usinas do Rio Madeira, têm proliferado declarações e artigos de vários "especialistas" de energia, propalando que o país estaria numa situação energética delicada.

Interessante notar que, enquanto de forma praticamente solitária alertávamos em 1999 e 2000 para os altos riscos de racionamento, que efetivamente se concretizaram em 2001, esses "especialistas" defendiam de forma explicita o modelo vigente àquela época. Hoje, como num efeito manada, eles alertam que o risco de faltar energia elétrica entre 2009 e 2010 seria "muito grande", tornando o insumo "o grande gargalo para o crescimento econômico do país".

Alguns utilizam as usinas classificadas em vermelho nos relatórios da Aneel para tentar inferir que vários empreendimentos considerados no planejamento setorial podem vir a não se concretizar. Nada mais falso. É a partir da contabilidade e do acompanhamento rigoroso feito pelo comitê coordenado pelo MME e com participação da Aneel, EPE, ONS e CCEE que se determinam as usinas a serem consideradas para despacho. Este mesmo conjunto de usinas, somado à previsão de contratação nos leilões de maio e junho próximos, nos permite dizer com tranqüilidade que o risco de déficit de energia elétrica até 2010 está dentro dos níveis aceitáveis.

Entre 2003 e 2006, foram instalados em média 3.667 MW por ano de nova capacidade de geração de energia elétrica no Brasil. Isto representa cerca de 40% a mais do que foi instalado anualmente entre 1995 e 2000, período que antecedeu ao racionamento de 2001. As perspectivas para o período de 2007 a 2010 são igualmente tranqüilizadoras. Existem hoje 10.255 MW de usinas com plenas condições de entrar no horizonte proposto. Além disto, uma quantidade maior será viabilizada com os leilões de maio e junho.

Ao contrário do que se afirma, não existe um conjunto grande de usinas hidrelétricas concedidas esperando apenas uma ação do governo para serem viabilizadas. De fato, o governo Lula recebeu um grande estoque de usinas hidrelétricas que tinham sido licitadas pelo governo passado sem licença ambiental. Algumas delas simplesmente não tinham viabilidade, criando um conflito entre empreendedores e órgãos ligados ao meio ambiente. Outras usinas licitadas eram passíveis de ser viabilizadas, embora o ônus de se obter as licenças ficasse a cargo dos empreendedores.

De 1998 e 2002 foram dadas concessões para 49 usinas hidrelétricas - todas elas sem licenciamento ambiental. Destas 49 usinas, somente 3 entraram em operação até 2002. O governo recebeu então 46 usinas com concessão, mas com desafios de toda ordem: falta de licença ambiental, problemas entre os empreendedores, questionamentos judiciais etc. Uma grande usina (Santa Isabel) estava sendo reestudada, e passou-se então a trabalhar para desembaraçar 45 usinas totalizando 13.037 MW. Desse total, 18 hidrelétricas, com 8.141 MW (62%), foram construídas entre 2003 e 2006 e já estão em operação. Outras 17 usinas, com 3.744 MW (29%), já estão com licença ambiental e podem participar dos leilões de energia nova que o governo tem realizado todo ano. Hoje existem apenas 1.912 MW sem previsão de entrada.

O que é importante salientar é que o "faz de conta" de se conceder usinas sem nenhuma viabilidade ambiental não existe mais. Atualmente, todas as hidrelétricas têm que ter licenciamento ambiental prévio concluído antes de serem colocadas em leilão. Daí a premência em se obter a licença ambiental para as usinas Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira.

Vale mencionar que a decisão sobre a concessão da licença para as usinas do Madeira em nada afeta o suprimento de energia até 2010, já que elas estão previstas para entrar em operação só a partir de 2012. A decisão também não coloca em risco o abastecimento de eletricidade após este período, na medida em que o país tem outras opções para atender à demanda. O que está em questão são a qualidade ambiental da matriz energética e o preço da energia para o consumidor.

MAURICIO TOLMASQUIM é presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).