Título: Descendo a ladeira
Autor: Eloy, Patricia
Fonte: O Globo, 17/05/2007, Economia, p. 23

DÓLAR VAI À LONA

Apesar de dois leilões, BC não consegue segurar cotação e moeda já vale R$1,954.

Após dois dias em que atuou como espectador no mercado de câmbio, o Banco Central (BC) tentou ontem, em vão, segurar a cotação do dólar. Em duas operações de compra de moeda nos mercados à vista e futuro, gastou o equivalente a US$1,6 bilhão num espaço de apenas três horas, mas o dólar voltou a fechar em queda, a R$1,954, com perdas de 1,46% em relação à véspera. É a menor cotação desde 16 de janeiro de 2001 (R$1,952) e a maior queda percentual desde o dia 29 de junho de 2006. Na mínima do dia, a moeda chegou a valer R$1,95. Para analistas, o BC tem pouco a fazer e, a menos que aumente a carga de intervenção no mercado para níveis até então jamais vistos, não conseguirá mais segurar a cotação do dólar.

Prova disso é que a moeda caiu fortemente durante o dia, num movimento ampliado pela melhora na classificação de risco do Brasil pela agência Standard & Poor"s (S&P) - de BB para BB+, a um passo do cobiçado grau de investimento -, uma semana após a Fitch elevar a nota brasileira.

Mais importante que a classificação em si, porém, foi a perspectiva da nota, que é positiva, o que significa que o Brasil pode chegar a grau de investimento em de 12 a 24 meses, uma novidade que pegou o mercado de surpresa. A Bolsa de Valores de São Paulo reagiu com uma alta de 2,41%, para novo recorde de 51.737 pontos. Indicadores positivos da economia americana também sustentaram o bom humor no mercado.

- É como se estivéssemos a meio degrau do investment grade - Carlos Camacho, sócio da GAP Asset.

Vanderlei Arruda, gerente de câmbio da corretora Souza Barros, explica que, com a percepção de risco menor, os estrangeiros tendem a investir mais recursos no Brasil, inundando de dólares o mercado local, o que tende a derrubar ainda mais as cotações da moeda americana.

- A melhora na nota abre a possibilidade para a entrada de um volume maior de recursos no país. Diante disso, o BC tem pouco a fazer. O ritmo menor (de intervenções) dos últimos dias detonou um enorme movimento de venda de dólares que será difícil de conter. Caminhamos para R$1,90 a curto prazo - avalia Rodrigo Trotta, operador de câmbio do Banif Brasil.

O BC bem que tentou segurar o dólar. No fim da manhã, quando a moeda atingiu R$1,96, retomou, após cinco dias úteis, os leilões de swap cambial reverso, que funcionam como uma compra de dólares no mercado futuro. As cotações continuaram em queda e, no fim da tarde, o BC comprou moeda no mercado à vista - estima-se que a operação movimentou cerca de US$600 milhões. Ainda assim, o dólar caiu pelo quarto dia consecutivo.

Segundo a analista de crédito da S&P, Lisa Schineller, a mudança na nota do Brasil reflete uma menor vulnerabilidade fiscal e externa do país e um sólido ambiente macroeconômico. Em nota, ela alerta, no entanto, que o Brasil precisará melhorar a área fiscal para alcançar o esperado grau de investimento.

O economista Carlos Tadeu de Freitas, ex-presidente do BC, afirma que a melhora na classificação de risco não traz ganhos a curto prazo para a economia real, apenas para aqueles que apostaram na valorização do real:

- O real virou uma commodity e quem apostou nele teve um ganho de capital. Mas na economia real não há reflexos além de atrair investimento externo no médio e longo prazos. Nosso salvo-conduto é mesmo fazer as reformas fiscal e tributária para garantir o crescimento econômico sustentável.

Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a elevação da nota pela S&P mostra o reconhecimento de que a economia brasileira tem fundamentos sólidos e um crescimento expressivo. Mantega admitiu que a nova nota contribui para a queda no dólar.

- É claro que eu queria comer o omelete sem quebrar os ovos, mas isso não é possível. Não se pode ter um país mais seguro e sólido, com moeda desvalorizada. Não se pode imaginar o país com o dólar a R$3,50 ou a R$2,80 como no passado.