Título: A guerra de Furnas
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 18/05/2007, O Globo, p. 2

O tempo passa e os governos se sucedem no Brasil sem que se resolva o paradoxo: com o sistema partidário que temos, é quase impossível governar - no sentido de construir maioria parlamentar - sem o PMDB. Mas é também muito difícil governar com o PMDB. Termina em crise na coalizão, com o PMDB do Senado falando em ruptura e devolução de seus ministérios, nesta semana em que o presidente Lula surfou nas boas notícias da economia.

E tudo por conta da presidência de Furnas, o que deixa no ar a pergunta inquietante sobre a razão de tanto interesse numa estatal de energia. Não faz muito tempo, a empresa freqüentou o noticiário dos escândalos por causa de uma lista de políticos supostamente beneficiados por um grande caixa dois tucano-pefelista, montado na empresa. Foi demonstrado que a lista era falsa, mas isso não muda o que sabemos sobre o interesse dos partidos em estatais. Roberto Jefferson nos deu aulas sobre isso.

Não é delituosa em si a partilha de cargos com os partidos que apóiam um governo. Depende dos cargos, depende dos ocupantes. Com o sistema político que temos, o partido do presidente, de qualquer presidente, não terá maioria parlamentar. Será precisa construí-la firmando alianças pós-eleitorais, e é natural a preferência por um partido como o PMDB: grande e estruturado mas desprovido de projeto próprio de poder, o que resulta em integrantes ávidos por cargos que lhes garantam a sobrevivência eleitoral. Um partido solteirão. Todos os governos pós-restauração democrática precisaram do PMDB e sofreram o diabo na mão do partido. Começa a não ser diferente para o presidente Lula.

Dono do pedaço no setor elétrico, o grupo do Senado vinha dificultando, com o apoio da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e do ministro Silas Rondeau (Minas e Energia), a nomeação de Luiz Paulo Conde para a presidência de Furnas. Alegação: a falta de afinidade técnica com o cargo, um critério de fato fixado lá atrás. Conde foi indicado pelo grupo do Rio e bancado pela ala da Câmara, liderada pelo deputado Michel Temer. Como primeira reação, os votos da bancada minguaram perigosamente na Câmara. Ali, o grupo pró-Conde deu duas laçadas no governo. O deputado Leonardo Picciani é presidente da crucial CCJ. Eduardo Cunha (ligadíssimo a Garotinho) será relator da emenda da CPMF e já coordena o núcleo peemedebista na CPI do Apagão Aéreo. Entendendo o perigo de brigar com essa turma, Lula teve anteontem uma conversa sem testemunhas com Temer, que de lá saiu dizendo que estava tudo resolvido, inclusive Furnas. Talvez quisesse apenas acalmar os tigres, porque ontem o próprio Lula, em rápida abordagem da coluna ao final da reunião do CDES, confirmou o que já fora dito por outros: "Não tem nada resolvido, mas estamos resolvendo, vamos resolver com mais calma".

Calma é o que faltava ao presidente do Senado, Renan Calheiros, na noite de anteontem, no jantar que a senadora Roseana Sarney ofereceu ao senador Aloizio Mercadante, que aniversariara. Ele e Sarney acabavam de saber que Lula teria batido o martelo a favor de Conde. O presidente tem todo o direito de preferir Garotinho, mas a nomeação de Conde, dizia Renan, pode significar a demissão do ministro Silas Rondeau. Insinuava que Hélio Costa também poderia sair, consumando a ruptura da ala do Senado, onde a situação do governo é precária e outra CPI está começando. Um abacaxi para o presidente, para animar esse quadro em que tudo lhe parece bem resolvido.