Título: Navalha na corrupção
Autor: Carvalho, Jaílton de
Fonte: O Globo, 18/05/2007, O País, p. 3

DINHEIRO PÚBLICO NO RALO

Ex-governador do MA, assessor de ministro e mais 44 são presos; quadrilha ia desviar verbas do PAC.

APolícia Federal prendeu ontem o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares (PSB) e o assessor do Ministério das Minas e Energia Ivo Almeida Costa, além de outros 44 políticos, servidores públicos, empresários e lobistas acusados de fraudar licitações e obras da empreiteira baiana Gautama em nove estados (Alagoas, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Sergipe, Pernambuco, Piauí, Maranhão, São Paulo) e no Distrito Federal. Na mesma investigação, batizada de Operação Navalha, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, pediu a prisão do atual governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), mas o pedido não foi aceito pelo Superior Tribunal de Justiça. A organização é acusada de planejar um esquema para fraudar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro deste ano.

A PF gravou conversas dos envolvidos, em fevereiro passado, que indicam que a quadrilha tinha um plano para desviar recursos de obras do PAC. No gabinete do superintendente de Produtos de Repasse da Caixa Econômica Federal, Flávio Pin, preso durante a operação, a PF apreendeu ontem 20 pastas com documentos da Casa Civil da Presidência sobre o PAC. Flávio Pin foi preso um dia depois de se reunir com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para tratar do programa. Os delegados da PF querem saber se, nas pastas, há alguma prova dos planos de fraude contra o PAC.

Dois prefeitos entre os presos

Para Antônio Fernando e a PF, a quadrilha não tinha limites.

"A ambição dos integrantes da cúpula da organização é desmedida, e, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender o PAC - Programa de Aceleração do Crescimento", diz o documento da PF que serviu de base para a decretação de prisão.

O ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, minimizou o plano para fraudar o PAC:

- Não podemos pôr em dúvida um prédio de 30 andares por causa de um caminhão de areia que foi mal administrado.

O pedido de prisão de Jackson Lago foi rejeitado pela ministra Eliana Calmon, do STJ, relatora do caso. No mesmo despacho, a ministra decretou a prisão preventiva de 48 acusados de envolvimento com as fraudes imputadas à Gautama. Entre os presos ao longo do dia estão Ivo Almeida Costa, assessor especial do ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau; João Alves Neto, filho do ex-governador de Sergipe João Alves Filho (DEM); o deputado distrital Pedro Passos (PMDB); e dois prefeitos - o petista Luiz Carlos Caetano, de Camaçari, na Bahia; e o tucano Nilson Leitão, de Sinop, em Mato Grosso.

PF: ex-governador ganhou Citroen

Segundo relatório da Polícia Federal, a organização era chefiada pelo empresário Zuleido Soares Veras, dono da construtora Gautama. A empresa tem sede em Salvador, mas mantém contratos de execução de obras em Mato Grosso, Maranhão, Piauí, Distrito Federal, Bahia e Sergipe, entre outros. Com base em informações da Divisão da Diretoria de Inteligência da Polícia Federal, o procurador sustenta que o grupo de Zuleido Veras montou um forte esquema de suborno de altos servidores do governo federal, de governos estaduais e de prefeituras.

Em longo relatório encaminhado ao STJ, a PF apresenta uma lista de casos de propinas pagas pelo grupo de Zuleido Veras para que autoridades fizessem vista grossa e liberassem dinheiro para as obras de interesse da Gautama. Pelo relatório, o grupo de Veras deu um Citroen, modelo C5, ao então governador José Reinaldo Tavares em junho do ano passado. O presente, comprado por R$110.300, seria uma retribuição a facilidades concedidas por Tavares para a empresa. No mesmo período, a empresa teria fraudado a medição da pavimentação da BR- 402, uma das principais rodovias do Maranhão.

Com base em um relatório da Controladoria-Geral da União e gravações de conversas de integrantes da organização, a PF mostra que fiscais do estado exageravam na medição da pavimentação da rodovia e de construção de pontes, entre outras obras. A estratégia era simples. Os fiscais atestavam a existência de serviços não executados. Com esses documentos, a empresa obtinha a liberação de vultosos recursos. Só uma das obras estava orçada em mais de R$150 milhões.

A PF informa ainda que a organização reproduziu o mesmo esquema em Sergipe com a ajuda de João Alves Neto, filho do ex-governador João Alves, e de Flávio Conceição de Oliveira Neto, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Oliveira Neto foi chefe da Casa Civil durante o governo de João Alves. Segundo a polícia, a certeza de impunidade era tamanha que, num determinado momento, Oliveira Neto chegou a pedir uma propina de R$216 mil para o filho do ex-governador.