Título: Ameaçado de extinção
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 19/05/2007, Economia, p. 31

Adoção do pré-datado no cartão promete acabar de vez com o tradicional cheque.

Será o fim do cheque? Tudo leva a crer que sim, considerando-se a queda vertiginosa na quantidade de emissões em apenas seis anos. A redução foi de quase um bilhão de ordens de pagamento em papel: precisamente 929 milhões de cheques deixaram de ser emitidos no período. Enquanto isso, os meios eletrônicos, o chamado dinheiro de plástico, avançam no sistema de pagamento. No mesmo período, o Brasil passou a conviver com mais 260 milhões de cartões de crédito e débito, somando, no fim do ano passado, 379 milhões, ou seja, em média dois cartões para cada brasileiro. Agora, a indústria prepara um golpe de misericórdia no cheque. Após o parcelamento no cartão de crédito, a indústria está elaborando o pré-datado no cartão de débito. A medida ainda não está em prática por um vácuo jurídico. O cheque é uma ordem de pagamento, um título executável, portanto, o lojista pode protestar na Justiça. No meio eletrônico, não há legislação que o proteja do calote:

- Será o segundo golpe mortal no cheque depois do parcelamento no cartão de crédito. O problema é que a transação eletrônica não é um título protestável. É preciso ter mudanças na legislação para isso. A idéia é deixar o lojista escolher pagar uma taxa de risco, com a garantia do pagamento pré-agendado. Ou então, ele pode assumir o risco - diz Antonio Rios, diretor de Marketing da Associação Brasileira de Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs).

A indústria de cartões quer, ainda, avançar em setores que têm uso intenso de cheque e dinheiro, como feiras, táxis e o ramo de saúde.

- Acreditamos que em dois, três anos vamos conseguir ampliar o uso dos cartões nesses ramos.

Tarifação inibe ainda mais o cheque

Mas os que acompanham essa mudança de comportamento do brasileiro na forma de pagamento não acreditam no fim do cheque:

- Veremos o uso do cheque cair muito, mas ele não acabará. As pessoas mais velhas, que têm menos intimidade com os meios eletrônicos, são exemplos de clientes que vão manter o uso do cheque. Os bancos estão investindo muito, também, para ampliar a rede de clientes das faixas de renda C e D. Esses correntistas são mais receosos de usar os meios eletrônicos - disse Walter Tadeu Pinto de Faria, assessor técnico da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Se depender da produtora Fabiane Ribeiro, o cheque não terá mais espaço na sua carteira. Ela aboliu o uso da ordem de pagamento de papel pela facilidade e pelo controle melhor com os cartões.

- Acabava perdendo o controle das minhas contas, principalmente quando passava cheques pré-datados. Além de ter que enfrentar uma burocracia excessiva nas compras. Tem que esperar as consultas aos serviços de cadastro, preencher fichas imensas - explica Fabiane.

Para despesas de baixo valor ou entregas a domicílio, o cartão de débito é o instrumento. Segundo ela, drogarias já levam em casa as máquinas para fazer o débito:

- Outro fator foi o preço. Para receber dois talões por mês em casa, pagava R$12. Como a conta é conjunta com minha mãe, o cheque ainda chega, mas só ela usa.

Além do estímulo da maior oferta de formas eletrônicas de pagamento, outro meio usado pelos bancos para incentivar o dinheiro de plástico tem sido a tarifação. Todos os bancos cobram taxa por cheque emitido de valor inferior a R$40. E nos cheques iguais ou acima de R$5 mil, depois da implantação do Sistema de Pagamentos Brasileiro, em 2001, cobra-se algo entre 0,11% e 0,13% do valor, para estimular as transferências eletrônicas. Com isso, é possível ao Banco Central ter mais controle sobre a movimentação de grandes valores.

Segundo a assistente de direção do Procon-SP, Dinah Barreto, outro motivo leva os bancos a optarem pelos meios eletrônicos: a fraude. Com os cheques não há contestação possível quando há falsificação da ordem de pagamento:

- Fica explícito. Os bancos pagam. Mas, nas transações eletrônicas, só depois de muito tempo de pesquisa os bancos devolvem o dinheiro ao correntista, sem assumir a culpa. Afirmam sempre que é uma liberalidade da instituição. Eles investem pesado no fim dos cheques.

E as reclamações nos balcões de atendimento ao consumidor mostram as falhas nesse tipo de movimento. Os bancos tradicionalmente estão entre os cinco setores que recebem mais reclamações no Procon paulista. As queixas mais freqüentes são de cobrança indevida, seguida de transação eletrônica não reconhecida. Para o assessor da Febraban, o motivo das cobranças para uso do cheque não é apenas o desestímulo ao uso:

- O custo alto de compensação e emissão torna o produto mais caro.

Rios, diretor da Abecs, também cita a mudança cultural dos correntistas, com uma geração mais íntima da informática entrando no mercado de trabalho e abrindo contas. A melhoria de renda da população também ajudou nesse processo, segundo ele.

O estudante João Felipe Toledo, de 25 anos, tem o perfil delineado por Rios. Para ele, o cheque significou o descontrole financeiro. Nos cartões, os limites o impedem de consumir mais:

- Tropecei no cheque. Ia comprando tudo, com talão no bolso.

Mesmo com o estímulo ao uso do dinheiro de plástico, ainda são emitidos no país mais de 1,5 bilhão de cheques por ano.