Título: UE e Rússia em rota de colisão
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Fonte: O Globo, 19/05/2007, O Mundo, p. 36

Líderes europeus trocam farpas com Putin por pressões de Moscou sobre países do bloco.

SAMARA, Rússia

Orecente endurecimento das políticas interna e externa da Rússia motivaram uma rara, forte e aberta troca de repreensões entre líderes da União Européia e o presidente russo, Vladimir Putin, ontem, em Voljsky Utyos, a mil quilômetros a sudeste de Moscou. As discordâncias entre o presidente da Comissão Européia (CE), José Manuel Durão Barroso, e a chanceler federal alemã, Angela Merkel, com Putin sobre temas como direitos humanos, comércio internacional e pressão externa russa sobre integrantes da UE marcaram a reunião de cúpula semestral entre o bloco europeu e a Rússia, que pela primeira vez em 18 edições terminou sem um documento final.

Horas antes da reunião, dezenas de opositores do governo russo, que participariam de uma manifestação contra Putin, foram impedidos de embarcar no aeroporto de Moscou para a cidade de Samara, a mais próxima do local do encontro. Entre os impedidos de viajar estava o ex-campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, que teve a passagem e o passaporte retidos.

O governo afirmou que as passagens de Kasparov e outros oposicionistas como Eduard Limonov não foram reconhecidas pelo sistema eletrônico do aeroporto. O passaporte de Kasparov só foi devolvido depois que o última vôo para Samara decolou. Mesmo assim, cerca de 200 pessoas protestaram contra Putin em Samara. Mas os obstáculos criados pelo governo fizeram com que a chanceler Merkel criticasse abertamente o governo russo na entrevista coletiva que encerrou a reunião de cúpula.

¿ Todos aqueles que querem participar de uma manifestação em Samara deveriam poder fazer isso ¿ disse Merkel, cujo governo ocupa a presidência rotativa da UE. ¿ Posso entender que se prenda pessoas que estão atirando pedras ou ameaçando o direito do Estado de garantir a ordem. Mas é uma coisa completamente diferente impedir pessoas que estão a caminho de uma demonstração.

Putin disse que as ações policiais ¿nem sempre são justificáveis¿, mas, demonstrando cada vez maior irritação, acabou chamando Kasparov e seus companheiros de marginais. E acusou países da União Européia de ter falhas em suas democracias.

¿ O que é uma democracia pura? É uma questão de você querer ver o copo meio cheio ou meio vazio ¿ disse ele, que lembrou que recentemente a polícia alemã deteve 148 manifestantes em Hamburgo.

Merkel respondeu que as duas ações foram totalmente diferentes.

Barroso defende Polônia e Estônia

O principal ponto da agenda da reunião era tentar renovar o Acordo de Parceria e Cooperação entre Rússia e UE, que expirará em novembro. Mas as negociações estão paradas pois a Polônia vetou qualquer tratado com Moscou, ao mesmo tempo em que Estônia e Lituânia também fazem severas críticas à política externa russa.

Os três países, ex-integrantes da Cortina de Ferro, entraram na UE em 2004. Varsóvia protesta pelo embargo nas compras de carne polonesa feitos por Moscou, enquanto a Estônia acusa a Rússia de interferir em seus assuntos políticos internos e a Lituânia quer a reabertura de um oleoduto fechado recentemente.

As pressões de Moscou para que a UE convencesse os três países a moderarem suas críticas, no entanto, encontraram uma total resistência do presidente da CE, Durão Barroso.

¿ Tivemos a oportunidade de dizer a nossos parceiros russos que uma dificuldade para um Estado-membro é uma dificuldade para toda a comunidade européia ¿ disse ele, sem que Putin o encarasse enquanto falava. ¿ É muito importante, caso se queira ter uma cooperação próxima (com o bloco europeu), entender que a UE se baseia sobre princípios de solidariedade.

Putin reagiu e, numa referência à Polônia, acusou alguns Estados do bloco de ¿egoísmo econômico que nem sempre corresponde aos interesses da UE¿. Ele também acusou o governo estoniano de ter sido responsável pela morte de um membro da minoria russa do país, numa ação que ¿envergonha¿ a Europa. E insinuou também que a Europa deveria se opor à construção de um sistema antibalístico em Polônia e República Tcheca.