Título: Pasta cinza
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 20/05/2007, O Globo, p. 2

Qualquer que seja a cor da pasta encontrada na Construtora Gautama, é certo seu parentesco com a pasta rosa, aquela que foi achada numa salinha do finado Banco Econômico. Nela constavam os nomes de 25 cardeais da política nacional a quem o banco de Angelo Calmon de Sá doara, na campanha eleitoral de 1990, um total de US$2,2 milhões. Na pasta de agora, ao lado de emendas parlamentares liberadas, aparece o nome de congressistas, valores e presentes, informou a PF.

Presente que vale, para quem disputa eleição, é doação. Por fora, diria Roberto Jefferson. As doações da pasta rosa eram tão por fora quanto as do valerioduto para os partidos amigos do PT. Naquele ano de 1995, início da era tucana, as CPIs estavam em desuso, e a PF tinha outras ocupações. A pasta rosa foi dormir numa gaveta do Banco Central.

Em outro contexto, a oposição já teria reunido as assinaturas para abrir uma CPI. Talvez por conta do amplo espectro da Operação Navalha, na discurseira apressada de sexta-feira à noite, o que se pedia era calma. Até o sempre colérico Fernando Gabeira recomendava esperar avanços da PF na investigação.

É mesmo recomendável não lançar levianamente nomes na lama só porque apareceram numa lista. Aconteceu com muita gente na CPI dos Sanguessugas. Mas esperar não será possível. Amanhã mesmo, na primeira hora, os presidentes da Câmara e do Senado devem pedir cópia do documento à PF. Poderão encaminhá-lo ao Conselho de Ético ou escalar uma comissão (ou o próprio Conselho) para acompanhar as investigações.

Ainda que não trate de doações de campanha, a pasta da Gautama sugere o aliciamento de parlamentares, com propina ou presente, para liberar verbas de emendas. E aí caímos na Comissão de Orçamento, onde se pode ouvir, desde o governo passado, que a farra dos anões de 1993 era brincadeira diante das travessuras modernas.

Será lamentável ver o Congresso em mais um inferno moral, obrigado a investigar os seus, a cortar na carne e promover o rito inquisitorial da cassação dos pares. Uns pecam, a instituição paga. E cada pancada na instituição afeta o pulso da democracia lá embaixo, entre os que votam, mas vêm perdendo a fé.

Paga a classe política por sua inépcia. Faz tão poucos meses, a PF e depois (sempre depois) a CPI dos Sanguessugas mostraram, mais uma vez, que o regime de emendas ao orçamento facilita a corrupção (bem como o desperdício de recursos e o fisiologismo).

Emendar o Orçamento é prerrogativa dos parlamentares, e assim deve ser. Os que representam o povo, mais que os burocratas, têm direito de influir na distribuição do dinheiro público. Errado é o sistema que permite ao Executivo liberar a emenda quando quer e para quem quer. Com isso, o governo põe canga nos deputados para lhe tomar o voto, enquanto empresários interessados nas verbas presenteiam deputados.

O que fazer? Não parece haver outro modo senão tornando automática, segundo um cronograma pré-fixado, a liberação das emendas. Não é preciso, para isso, tornar todo o orçamento impositivo, tese que horroriza os governos. Basta blindar com isso apenas as emendas.