Título: Aborto de alto risco é terceira causa de morte materna no país
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 20/05/2007, O País, p. 3

POLÊMICA

Nos últimos 5 anos, 1,2 milhão de mulheres foram socorridas no SUS.

Aprática clandestina de aborto no país leva milhares de mulheres aos hospitais todos os anos e causa prejuízo de milhões ao Estado. Nos últimos cinco anos, 1.205.361 mulheres foram atendidas em hospitais da rede pública, em busca de assistência médica, por terem interrompido a gravidez usando métodos arriscados e sem qualquer segurança. O custo para o Sistema Único de Saúde (SUS) das curetagens realizadas após abortos ilegais chegou a R$161,4 milhões no período.

Os números do Ministério da Saúde revelam que a interrupção voluntária da gravidez indesejada, além de hoje ser crime, é também um grave problema de saúde pública. Os dados oficiais indicam que o aborto é a terceira causa de morte materna. Dos 1.645 óbitos obstétricos ocorridos em 2004, 155 (13% do total) foram por abortos. Números como esses levaram o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, a comprar briga com a Igreja Católica e propor debate sobre o aborto.

Segundo o ministério, é pequeno o número de abortos legais - interrupções autorizadas quando manter a gravidez causa risco de vida para a gestante ou a gestação é fruto de um estupro. Entre 2002 e 2006, foram realizados apenas 8.306 abortos legais, ao custo de R$1,1 milhão para o SUS.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, ocorrem cerca de um milhão de abortos ilegais e espontâneos no Brasil, a cada ano; 15% são causados por problemas que levam à perda do feto.

Na rede pública, 686 internações por dia

De acordo com o Ministério da Saúde, 686 mulheres são internadas diariamente na rede pública por complicações decorrentes de abortos ilegais e espontâneos. Levantamento do governo, ao qual O GLOBO teve acesso, revela também que no Norte e no Nordeste há maior risco de internação por aborto. Nessas duas regiões, a mulher tem menos condições econômicas e menos acesso a métodos contraceptivos. As curetagens são o segundo procedimento obstétrico mais praticado nas unidades de internação, menos apenas que partos normais.

Para Diaulas Ribeiro, promotor de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida), a experiência de países desenvolvidos onde o aborto é legal mostra que o atendimento à mulher permite até que ela mude de idéia sobre a interrupção da gravidez. A gestante recebe atendimento psicológico, o que não é possível no Brasil por causa da ilegalidade:

- No Brasil, as pessoas acabam vivendo a solidão dessa decisão.

Atendimento de alto risco é mais caro

Por outro lado, a promotora Maria José Miranda Pereira, do Tribunal do Júri de Brasília, é contra o aborto e não hesita em denunciar à Justiça mulheres e médicos que praticam o ato clandestinamente. As condenações das mães, segundo Maria José, acabam convertidas em prestação de serviços à comunidade - o que inclui, por exemplo, trabalhar em creches.

Carla Batista, secretária-executiva do grupo Articulação de Mulheres Brasileiras, que defende a legalização do aborto, diz que, se essa prática fosse descriminalizada no país, o custo de saúde seria bem mais baixo.

- A gente sabe que o procedimento médico de aborto é muito simples e muito barato. Agora, quando uma mulher chega ao hospital com aborto incompleto, e num processo de hemorragia, por ter usado métodos de alto risco como o da agulha de tricô, são exigidos do SUS outros equipamentos e outros profissionais, o que encarece o atendimento - diz Carla Batista.

Para ela, o atual debate sobre legalização do aborto, durante a visita do Papa Bento XVI, é positivo, porque fez a sociedade opinar sobre o tema. Setores da Igreja reagiram e criticaram o ministro da Saúde, que levantou o debate ao defender a realização de um plebiscito sobre o assunto. O frei Antônio Moser, da Comissão de Bioética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), diz que criar essa polêmica antes da visita do Papa foi uma iniciativa extemporânea:

- Quem levantou essa polêmica necessita de luz alheia, já que a sua é bem tênue. Não tem consciência dos verdadeiros problemas da saúde.

COLABOROU: Demétrio Weber