Título: Legislação permanece a mesma desde 1940
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 20/05/2007, O País, p. 9

POLÊMICA: Confronto entre Igreja Católica e movimentos de mulheres em torno do aborto completa 58 anos.

De 1947 até este ano, 93 proposições sobre aborto foram apresentadas, mas não houve qualquer alteração na lei.

SÃO PAULO. As discordâncias entre a Igreja Católica e movimentos de mulheres em torno do aborto acabam de completar 58 anos no Brasil, tendo como resultado o empate: zero a zero. O resultado e os lances da briga foram analisados em pesquisa do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp. No total, os dois lados apresentaram 93 propostas - sobretudo projetos de lei ao Congresso Nacional - de 1947 até a última semana. Nada, no entanto, foi alterado da lei promulgada em 1940, na ditadura do Estado Novo, e ainda em vigor.

Confronto paralisou o movimento, diz especialista

O trabalho feito pela pesquisadora do Nepo e autora de estudo sobre aborto no Brasil, Maria Isabel Baltar da Rocha, revela que a discórdia teve início em 1949, logo após a reabertura do Congresso depois do Estado Novo. Partiu da Igreja Católica. Foi o então deputado e monsenhor Arruda Câmara (PDC-PE) que pediu a revogação do artigo 128 do Código Penal. A lei, criada em 1940, permite o aborto em caso de estupros e de risco de vida da gestante.

- No enorme confronto, as duas forças acabaram paralisando o movimento. As únicas mudanças registradas na questão do aborto no Brasil partiram do Judiciário e do Executivo. Do Congresso, de um montante de 93 proposições em 58 anos - sendo 73 deles apresentados no períodos da democracia - não partiu nenhuma modificação - diz Maria Isabel.

Em 1965, quando a Europa começava a discutir a liberação do aborto como direito individual, o então deputado Eurico de Oliveira (PTB-GB), do antigo Estado da Guanabara, pediu a retirada do caráter criminoso do aborto voluntário. Na ditadura, foram apresentadas 20 proposições. Com a transição democrática, a Constituinte e até 1991, o Congresso somou mais dez projetos, seis deles a favor da liberação do aborto. Mas foi no processo de amadurecimento da democracia que foram apresentadas mais propostas.

Entre 1991 e 1999, houve mais 23 proposições no Congresso, a maioria também favorável, mas com grande reação contrária. Já entre 2000 e maio de 2007, foram mais 40 propostas, cinco delas da atual legislatura, a maioria contrária ao aborto.

- O que chama atenção é que a polêmica do aborto aparece como um marco das importantes questões da democracia no Brasil. Se separarmos os períodos de democracia, temos 73 proposições de lei, o que mostra que a discussão sem dúvida se ampliou - diz a especialista.

Na avaliação de Maria Isabel, o imobilismo no Congresso pode significar que o tema ainda precisa de debate público, de informações e esclarecimentos sobre saúde pública e direitos reprodutivos:

- Esse tema, que voltou à tona recentemente com declarações distintas do Papa Bento XVI e do governo federal, precisa de fato ser mais debatido.