Título: Corrupção está associada à cultura da impunidade
Autor: Lamego, Cláudia e Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 20/05/2007, O País, p. 12

DINHEIRO PÚBLICO NO RALO: "O sistema político favoreceu os corruptos, mas está chegando ao fim", diz Dallari.

Para especialistas, brasileiro não é mais corrupto que outros povos, mas tem de ter punição.

RIO e SÃO PAULO. Samba, futebol e... corrupção? Quem lê o noticiário nos últimos dias pode pensar que o roubo é mais um produto brasileiro. Estudiosos do problema discordam. Seis especialistas que acompanham os escândalos de corrupção dizem que o momento é de otimismo com as ações da Polícia Federal, mas que é preciso cobrar que as operações tenham resultados efetivos e que os culpados sejam punidos. O problema no Brasil, dizem, é a cultura da impunidade.

- Quanto mais casos como esse (Operação Navalha) vierem à luz, melhor. Não significa que não aconteciam no passado. Significa que agora nós os conhecemos mais - afirma Claudio Weber Abramo, diretor da Transparência Brasil.

Para ele, o brasileiro que assiste aos sucessivos escândalos descobertos e vê as prisões de políticos não deve pensar que o país está perdido:

- Ele deve pensar: "nesse cara aí eu não vou votar mais." São informações úteis para ele tomar suas decisões futuras.

"Controle e fiscalização estão melhores", diz Abramo

Abramo diz que os órgãos de controle e fiscalização estão melhores, como Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União. Para ele, o trabalho da Polícia Federal tem sido útil para combater a corrupção. Ele disse não duvidar que a PF "está indo atrás" dos corruptos "sem deixar nomes de lado":

- As operações da PF não revelam um agravamento do problema. O fato de elas existirem é efeito de um maior controle. Mas esse controle não se dá uniformemente. Os Legislativos andam para trás. Têm menos disposição de melhorar seu desempenho do que o Executivo de modo geral, não só o federal.

Abramo diz ser improdutivo querer saber se o brasileiro é mais corrupto do que o cidadão de outras nacionalidades:

- Não há como medir isso. E, mesmo se houvesse, o que interessa saber se, em média, o brasileiro é menos ou mais corrupto que o paraguaio?

O jurista Dalmo de Abreu Dallari também afasta a idéia de associar corrupção e roubo à figura do brasileiro:

- Corrupção não é do brasileiro. É um produto da nossa história. Isso tem raízes no sistema colonial, quando os governantes usavam a coisa pública como objeto de sua propriedade. É o velho coronelismo, ainda resistente. O sistema político favoreceu muito os corruptos e os aventureiros, mas acho que está chegando ao final.

Para ele, o momento é de "alegria", e as cenas de prisões e escândalos marcam um outro tempo. O jurista contou que está muito otimista e que, aos 75 anos, tem uma vantagem sobre a juventude: "Sou jovem há mais tempo".

- Isso tudo é sinal de que a Polícia Federal ganhou uma autonomia que não tinha. O Brasil não ficou pior. É que havia inércia. Agora a polícia está atingindo pessoas bem situadas no meio político. É sinal muito positivo de que a partir daqui esses privilégios deverão acabar.

O sociólogo Chico de Oliveira, da USP, diz não acreditar que prisões de políticos resultem em mudanças importantes no sistema político brasileiro. Mas, ainda assim, afirmou que o noticiário é positivo:

- É uma novidade alvissareira e infeliz ao mesmo tempo. A prisão é novidade, o roubo é antigo. Sou cético. Vai haver punição individual. Mas o sistema não vai se reformar em razão dessas prisões de políticos.

Para ele, o roubo não é da natureza dos brasileiros, mas está na gênese do sistema capitalista:

- Roubar não é atavismo do brasileiro. Senão, cada um de nós ia olhar-se no espelho e ver-se um ladrão. O capitalismo cria zonas de sombra entre o público e o privado, e a democracia não tem meios para clarear essas zonas de sombra. Aí operam os corruptos e os ladrões.

Chico de Oliveira diz que o fenômeno é mundial.

- No Brasil, não deixa de ser grave, somos um país pobre, e cada dinheiro roubado do Estado é um dinheiro que faz falta aos mais necessitados. Mas roubar não especialidade brasileira.

Uma rede que envolve todos os poderes, atende a interesses privados, está disseminada pela sociedade e é alimentada pela impunidade. Para Gilberto Velho, a corrupção é tudo isso mas não é exclusividade brasileira. O antropólogo acha que as investigações da PF contribuem para divulgar os escândalos, mas lembra que o problema é antigo e não terá solução enquanto os envolvidos não forem punidos:

- A corrupção é um fenômeno que se encontra em quase todo o mundo, em algum grau, de algum tipo. Não é um fenômeno que nós inventamos. Mas a extensão dela no Brasil é tão grande que se constitui uma variável básica da vida da sociedade brasileira. Isso é, talvez, o mais assustador. Não acontecem fatos isolados, localizados, eles são generalizados. Mas isso não quer dizer que todas as pessoas são corruptas.

Para o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-RJ, além da impunidade, o que tem facilitado a corrupção no país é a falta de mecanismos de controle. Ele elogia as ações da PF, mas diz que elas, normalmente, servem para apagar um incêndio que já vem queimando o dinheiro público há tempos:

- É preciso corrigir as falhas nos mecanismos de controle do próprio Estado. No plano das licitações, principalmente. Esses mecanismos deveriam, nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, identificar irregularidades com mais rapidez e rigidez em relação à ética pública. Eles deveriam impedir os desvios de dinheiro público.

Não há explosão de corrupção, diz professor

Fábio Wanderley Reis, professor de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais, considera que há certa leniência no país em relação às normas. Para ele, as ações da Polícia Federal podem começar a inibir a corrupção, mas este é um processo de longo prazo:

- Não há razão para acreditar que esteja acontecendo uma explosão de corrupção no país. O que acontece é a maior eficiência nas investigações, inclusive com a prisão de gente graúda, o que não era comum. Há uma cultura corrupta, sem dúvida, que ocorre em todos os níveis, da elite às periferias. A modificação dessa cultura é um processo demorado. É preciso que as pessoas se convençam, pela repetição, de que não vale a pena correr o risco.

Para Gilberto Velho, as ações da PF são importantes, mas não podem esbarrar na impunidade, porque podem acabar causando descrença e falta de credibilidade.

- As investigações são meritórias, mas é preciso que tenham conseqüências nítidas, claras. O que acontece depois? No caso de juízes, eles já estão soltos. São tantos mecanismos protelatórios na Justiça... No Congresso, o parlamentar pode renunciar ao mandato, e concorrer de novo. Existe um sistema elaborado para garantir a impunidade, e um espírito corporativo de proteção mútua em todos os níveis. A corrupção está associada diretamente à cultura da impunidade.