Título: Uma casinha lá na Marambaia
Autor: Marinho, Antônio
Fonte: O Globo, 20/05/2007, Rio, p. 18

Marinha teme especulação: cada família quilombola reivindica 70 Maracanãs.

Uma briga que se arrasta há pelo menos cinco anos, entre órgãos do próprio governo federal, pode levar a Marinha a se retirar da Restinga da Marambaia, em Mangaratiba, uma das últimas áreas de manguezais e floresta de Mata Atlântica ainda intocadas. Segundo a Marinha, que administra a ilha desde 1906, esse risco aumentou desde que a Justiça Federal de Angra dos Reis decidiu, há dois meses, a partir de ação civil pública movida pelo MP federal, conceder à comunidade residente - que se auto-define como remanescente de quilombolas - o direito de permanecer no local, o retorno dos desalojados e a liberdade de uso da terra de acordo com suas tradições. O Comando da Marinha diz que a área reivindicada não corresponde à terra ocupada e soma 16 milhões de metros quadrados (1.600 hectares), o equivalente a quase 70 Maracanãs para cada família.

O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação para a Ilha da Marambaia, feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), indica a existência de pelo menos 645 moradores na ilha e mais 401 residentes no continente, um total de 1.046 pessoas, ou 281 famílias cadastradas, que teriam direito à titulação e ao uso coletivo da terra. O número do Incra é bem superior ao controle diário e ao cadastro da Marinha, que mantém no local o Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia (Cadim), sob o comando dos Fuzileiros Navais (a Aeronáutica e o Exército também administram áreas na restinga). Nas contas da Marinha, na ilha moram 379 pessoas, ou 106 famílias, em 87 casas. O número é um pouco acima da ONG Koinonia, contratada pela Fundação Cultural Palmares em 2003 para fazer o levantamento: 340 pessoas. Outro relatório, da Uerj, afirma que são 358 moradores.

- A ilha só tem uma entrada e um cais. Sabemos exatamente quem são os moradores, quando entraram e em que época. Hoje só existem restrições legais a novas construções e grandes ampliações. Já houve época que tentaram construir pousadas, o que a lei não permite - diz o capitão-de-mar-e-guerra Alexandre José Barreto de Mattos, imediato do Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais.

O critério para se definir como remanescente de quilombola é o da "auto-definição", segundo o decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, cuja constitucionalidade está sendo questionada no Supremo. Basta o morador dizer que é descendente para que comece junto ao Incra o processo de reivindicação da posse da terra.

A Marinha reconhece o direito à ocupação da terra pelos atuais moradores, mas teme que a restinga, rica em biodiversidade, sofra com especulação imobiliária, invasões e favelização. De acordo com a Marinha, apesar de o direito à terra no casos dos quilombolas ser inalienável, existe o risco de superpopulação e ocupação desordenada da ilha, considerada área de proteção ambiental e de segurança nacional.

- Não sabemos como a ONG chegou ao cálculo de 16 milhões de metros quadrados para 106 famílias, cuja renda vem principalmente da pesca artesanal e de aposentadorias. É um relatório unilateral e tendencioso. Se isso acontecer, será difícil fiscalizar. A Marinha nunca teve intenção de expulsar as atuais famílias. Pelo contrário, sempre buscou estreitar o contato social - diz o comandante.

O procurador da República Daniel Sarmento, autor da ação civil pública, lembra que a Justiça dá um ano de prazo para o Incra terminar o processo de reconhecimento, demarcação e titulação.

- Existe um laudo antropológico reconhecendo a área como remanescente de quilombolas, não foi feito no chute.

Com a titulação, os moradores poderão reformar suas casas e fazer ampliações. Só não poderão vender seus terrenos. A regularização também vai facilitar a instalação de serviços básicos como energia elétrica, saneamento, transporte e postos de saúde pelo estado. Hoje a Ilha tem apena uma escola municipal.