Título: A classe média vai à Bolsa
Autor: Eloy, Patricia
Fonte: O Globo, 20/05/2007, Economia, p. 29

CAPITALISTAS À BRASILEIRA

Juros em queda levam 243 mil investidores pessoa física ao mercado de ações.

Frango, iogurte e ações. Ações? Sim, ações. A Bolsa de Valores, nos últimos meses, ganhou o status de mais novo símbolo da estabilização conquistada no rastro do Plano Real. A classe média brasileira que aplicou no overnight e no dólar durante a hiperinflação dos anos 80 e início dos anos 90, e lucrou com os juros altos desde meados da década passada, agora busca cada vez mais as ações como alternativa para ganhar dinheiro. O motivo é a forte queda no rendimento das aplicações financeiras conservadoras, com um ritmo acelerado no corte dos juros desde o ano passado.

O afrouxamento da política monetária, a partir do início de 2006 - quando os juros básicos da economia caíram de 17,25% para os atuais 12,5% ao ano - trouxe uma legião de novos aplicadores para o mercado acionário. Nunca se viu tanto investidor pessoa física na Bolsa.

Existem hoje 243 mil investidores pessoa física na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), um salto de 56% em relação ao começo do ano passado. Nesse período, surgiram 87,9 mil deles, o que equivale a dizer que o mercado ganha cerca de 180 novos acionistas por dia. E os investidores vêm de onde menos se espera. No mapa da Bovespa despontam cidades como Aguiarnópolis (TO), Barra dos Coqueiros (SE) e São Gabriel da Cachoeira (AM).

No fim de 2002, o total de aplicadores na Bolsa somava 85,24 mil. O número de investidores praticamente triplicou nos últimos quatro anos e meio. E, segundo analistas, este volume só tende a crescer, embora, em níveis globais, o Brasil ainda ostente o título de país com a maior taxa real de juros (descontada a inflação), em torno de 8%.

Em média, esses investidores pessoa física movimentam R$8,4 mil em cada negócio de compra e venda de ações, de acordo com Ricardo Pinto Nogueira, superintendente da Bovespa. E o volume movimentado por esse tipo de investidor mais do que dobrou: saltou de R$409,14 milhões no começo de 2006 para R$874,57 milhões este mês.

Um desses novos aplicadores é o comerciante Paulo Brandão, tradicional investidor em poupança e fundos DI que, há cerca de um mês, começou a investir na Bolsa. Hoje, compra e vende ações diretamente na corretora, a carioca Ágora - líder no segmento pessoa física -, por telefone e pela internet.

- Com a queda dos juros, passei a ver meu dinheiro render muito pouco. Eu tinha medo de Bolsa, mas comecei a ter um sentimento de que estava perdendo dinheiro numa aplicação tão conservadora e comecei a estudar o mercado de ações. Assim, minimizo os riscos de perda - acredita Brandão, que, na corretora, conta com relatórios, análises de empresas, chats online e a orientação de especialistas. - Estou fazendo uma poupança a longo prazo, comprando papéis de empresas como Vale do Rio Doce, Petrobras e Aracruz, que vão estimular o crescimento econômico.

Para Raymundo Magliano Filho, presidente da Bovespa - que lançou, em 2002, um programa de democratização do mercado -, o Brasil passa por uma "revolução silenciosa":

- O mercado de hoje não é nada diante do potencial que temos pela frente. Com a estabilidade, o brasileiro de classe média começou a pensar a longo prazo e, com os juros em queda, a Bolsa virou uma alternativa viável. É um mercado de risco? Sim, senhor. É a longo prazo? Não tenha dúvida. Mas é também a melhor alternativa para quem crê no crescimento econômico.

Na Mercatto Gestão de Recursos, os clientes pessoa física, que representavam 20% do total no ano passado, chegam hoje a 45%. Esses novos clientes investiram nada menos que R$600 milhões na instituição nos últimos oito meses.

- É um efeito colateral dos juros baixos: os clientes estão ampliando o prazo dos investimentos e é aí que entra a Bolsa - diz a analista Daniella Marques.

Na Ágora, há hoje 50 mil clientes que compram e vendem ações pela internet - 12 mil chegaram no último ano.

- E as mulheres são as que mais crescem, especialmente nas operações via internet. No ano passado, não chegavam a 10% e hoje, já são 17% dos nossos clientes - diz Hélio Pio, gerente Comercial da corretora.

A dentista Eva Tavares de Souza é uma dessas investidoras.

- Fiquei estimulada pela diferença de rentabilidade entre CDBs e DIs e a Bolsa. Percebi que é preciso correr mais risco para ganhar dos juros.