Título: Analistas alertam para riscos da Bolsa e sugerem diversificar investimentos
Autor: Eloy, Patricia
Fonte: O Globo, 20/05/2007, Economia, p. 30

CAPITALISTAS À BRASILEIRA: Migração para ações fez fundo DI perder R$12 bi.

Em dois anos, mercado acionário lucrou 109%, contra 30% dos fundos.

Os seguidos recordes da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) - com o último, anteontem, foram 18 apenas este ano - vêm seduzindo investidores Brasil afora. Não é difícil entender os motivos. Enquanto o mercado de ações acumula ganhos de 109,16% nos últimos 24 meses, fundos DI e de renda fixa lucraram pouco mais de 30% no período, e a poupança comeu poeira, com ganhos tímidos de 17,95%. Mas, nem tudo é festa. Os especialistas lembram que, embora a Bolsa só tenha subido desde 2003, os riscos inerentes a esse tipo de aplicação ainda estão lá e são bastante elevados, especialmente para quem, erroneamente, vê no mercado de ações a chance de ganhar dinheiro a curto prazo. Mas, analistas recomendam as aplicações em Bolsa apenas como diversificação.

Fato é que um número cada vez maior de investidores - empurrados pela forte queda dos juros de um ano para cá - tem sacado recursos dos fundos DI e migrado para a Bolsa. Este ano, até o início de maio, a aplicação, antiga favorita do investidor de classe média de perfil mais conservador, perdeu mais de R$4 bilhões. Nos últimos 12 meses, os saques chegaram a R$12,5 bilhões, cerca de 9% do patrimônio desse tipo de aplicação.

- É uma mudança estrutural. Da mesma forma que, nos anos 80, em meio ao vale-tudo econômico e à hiperinflação, as pessoas corriam para o ouro, o juro alto virou o oásis da classe média que, sem muito esforço e com baixíssimo risco, ganhava uma fábula por ano. Esse tempo ficou para trás, assim como a época da aplicação em dólar - avalia Ricardo Leal, professor da Coppead/UFRJ.

País oferece hoje terreno para aplicação a longo prazo

Leal tem razão. A moeda americana, último bastião de "segurança" da classe média, deixou de ser uma aplicação vantajosa nos últimos quatro anos e meio. Em 2007, já recua 8,18% e é negociada abaixo dos R$2.

- O dólar, uma moeda forte, assim como o ouro, ativo real, dava um sentimento de segurança, conforto, uma sensação de riqueza que ficou perdida nas décadas de 80 e 90 e hoje não existe mais. E é aí que entra a Bolsa. O país oferece condições hoje para que o investidor pense a longo prazo e, agora, escolha uma ação "para casar" e dar frutos a longo prazo - diz Leal.

O economista acredita em Bolsa como diversificação, mas recomenda o investimento via fundos. A aplicação no home broker (compra e venda de ações pela internet), por exemplo, que tem crescido num ritmo galopante, com mais de cem mil investidores, é uma tarefa solitária. Embora conte com o suporte de análises e relatórios da corretora e ampla rede de analistas, como na Ágora, essa é uma decisão única e exclusiva do investidor, o que eleva os riscos, segundo Francisco Costa, sócio da Personal Investimentos:

- Quem aplicava em fundos DI antes não tem perfil de risco para investir tudo em Bolsa, nem aplicar por conta própria. Mas, este é um fenômeno de um mercado que só se valoriza desde 2003 e vive hoje uma euforia. O investidor não sabe que pode perder muito dinheiro se fizer a escolha errada. É essencial que a Bolsa seja só uma parcela das aplicações e que o investidor saiba qual é seu perfil de risco e o prazo esperado para o retorno do aplicação - destaca Costa.

Aplicação de fundo gerido por Armínio é de R$500 mil

Ele recomenda, para os avessos a riscos, no máximo 10% da carteira em ações. Para os agressivos, a parcela sobe para 30%. No seleto rol de investidores arrojados, se enquadra o aposentado Vander Teles, que investe na Bolsa desde 1994. Hoje, cumpre uma rotina diária: sai cedinho de Jacarepaguá, onde mora, e vai à corretora, no Centro, onde passa sete horas diárias:

- Comecei aplicando meu FGTS, quando me aposentei, e não parei mais. Mas, aos 62 anos, como estou próximo do meu "prazo de vencimento", não opero muito a longo prazo.

Para Costa e para Mário Felisberto, diretor da HSBC Investments, uma excelente maneira de diversificar é aplicar em fundos multimercado, que podem investir em Bolsa, juros, câmbio e títulos da dívida (pré ou pós-fixados, como os DI).

Eduardo Penido, diretor da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), diz que boa parte do dinheiro que saiu dos fundos DI migrou para fundos de ações. Os primeiros, que há um ano, tinham patrimônio de R$58,2 bilhões, têm hoje R$96,6 bilhões. O restante dos recursos, diz ele, está indo para os multimercados.

E não faltam fundos desse tipo que atraiam o imaginário popular. É o caso do Gávea, do ex-presidente do Banco Central (BC) Armínio Fraga, com mínimo de aplicação de R$500 mil. Esse também é o caso dos fundos da JGP, de André Jakurski, também com mínimo de R$500 mil e, longe, portanto, da realidade da classe média. Os fundos, seletíssimos, estão fechados para aplicações e não divulgam, ao contrário do restante da indústria, sua estratégia de investimentos.