Título: Obesidade infantil, uma crise no reino Unido
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 20/05/2007, O Mundo, p. 40

Uma em cada três crianças está acima do peso, e analistas já temem que geração viva menos que seus pais.

LONDRES. Num país em que o serviço militar não é obrigatório, as Forças Armadas precisam adotar uma certa flexibilidade para atrair recrutas. No caso do Reino Unido, isso inclui fazer vista grossa para a turma mais pesada e, na semana passada, o Exército britânico anunciou um relaxamento no limite de percentual de gordura para novos recrutas ¿ que passou de 28 para 32. Porém, mais do que uma necessidade, a medida é também um sinal dos tempos em que os jovens britânicos apresentam alarmantes índices de obesidade, os maiores da Europa.

De acordo com as mais recentes estatísticas, uma em cada três crianças no Reino Unido está acima do peso ou obesa, e alguns especialistas médicos acreditam que, pela primeira vez em mais de um século, a expectativa de vida dos britânicos poderá cair quando essa turma atingir a maioridade. Uma geração que poderá viver menos que seus pais. Nos últimos dez anos, o número de crianças menores de 11 anos com problemas de peso aumentou em mais de 40%.

ONG quer alterar regulamentação publicitária

Um quadro cujos efeitos surgem onde menos se espera: no fim de abril a National Schoolwear Centre, cadeia de lojas de venda de uniformes escolares, viu-se forçada a criar uma linha especial para crianças obesas, incluindo camisas com medidas de colarinho normalmente vistas em adultos acima do peso. Mas o medo maior é a possibilidade de hordas de adultos do amanhã sofrendo de diabetes, doenças cardíacas e câncer intestinal.

Encontrar a raiz do problema é complicado, uma vez que estudos já apontaram o dedo para uma galeria de vilões que vai desde a proliferação das lanchonetes de fast-food ao ritmo da vida moderna. Em todo caso, os hábitos alimentares da população infanto-juvenil britânica são um bom ponto de partida para analisar a situação.

¿ Pode-se falar em muitas coisas, mas o fato é que dieta básica das crianças britânicas é absurdamente inadequada. Há medições revelando, por exemplo, que pelo menos 70% da população infanto-juvenil consome gordura, sal e açúcar em excesso ¿ afirma Richard Watts, coordenador da ONG Children¿s Food Campaign.

A organização é conhecida no Reino Unido por encontrar na mídia uma parte do problema. Uma de suas principais reivindicações é uma alteração na regulamentação publicitária, mais especificamente uma proibição de comerciais televisivos de produtos alimentícios como hambúrgueres e refrigerantes antes das 21h ¿ uma medida que já vigora em alguns países europeus, como a Suécia.

¿ Apenas na TV, quase US$1 bilhão é gasto por ano em publicidade de junk food e mesmo o governo já admitiu que mensagens comerciais influenciam direta e indiretamente o comportamento de crianças em relação à comida. Essa regulamentação, por exemplo, evitaria que pelo menos 80% do público infanto-juvenil fosse poupado da propaganda de produtos alimentícios inadequados ¿ alega Watts.

Curiosamente, porém, foi a TV que há pouco tempo deu uma sacudidela providencial nas autoridades britânicas. Numa série exibida em 2005 pelo Channel 4, o prestigiado chef Jamie Oliver deixou de lado a culinária chique para denunciar um quadro de calamidade alimentar nas escolas da rede pública, revelando, por exemplo, que o orçamento de algumas escolas separava apenas 37 centavos por criança para a preparação de refeições.

Numa das escolas visitadas, Oliver recebeu plenos poderes para criar novas regras. Uma de suas primeiras foi banir a venda de junk food no local ¿ algo que o governo agora pensa transformar em lei. Além disso, o chef conseguiu que o governo aumentasse substancialmente as verbas para a merenda.

¿ O esforço tem de ser coletivo e envolve também ações familiares. Além de uma dieta balanceada, é preciso ainda que as crianças se exercitem regularmente, algo que tem deixado de acontecer mesmo em atividades básicas como a escola. Apenas um terço das escolas públicas consegue ter pelo menos 75% de seus alunos exercitando-se pelo menos duas horas semanais ¿ afirma um porta-voz da Associação Britânica de Professores de Educação física.

O quadro, porém, não é tão diferente entre os mais crescidos: 21% dos homens e 23% das mulheres britânicas são obesos. Pelo menos dois terços da população estão acima do peso. No século passado, a mesma proporção se aplicava para britânicos abaixo do peso ideal por conta da desnutrição.