Título: Um nova espécie dos campos do Brasil
Autor: Azevedo, Ana Lucia
Fonte: O Globo, 20/05/2007, Ciência, p. 41

Pássaro da Chapada Diamantina é um achado raro.

Ele é baixinho. E é folgado. E mesmo sem ter plumagem vistosa ou canto mavioso, pode ser considerado um tesouro. Um tesouro da diversidade biológica brasileira. Trata-se de uma nova espécie de ave cuja descoberta acaba de ser anunciada. É um habitante da Chapada Diamantina, na Bahia, e sua identificação mereceu destaque porque a região, famosa por sua beleza, tem pouquíssimas espécies de aves endêmicas (que vivem apenas lá). Além disso, o novo passarinho promete dar pistas importantes sobre a história natural da chapada.

O bichinho faz sucesso também simplesmente por ser uma ave. Poucos grupos de animais são tão pesquisados quanto as aves. De ornitólogos baseados em universidades a observadores de aves amadores que atravessam milhares quilômetros em busca de um canto ou plumagem inéditos, há sempre muita gente em busca de novas espécies. Muitas vezes, para encontrá-las, é preciso se embrenhar em florestas fechadas e passar meses, às vezes anos, em busca de criaturas furtivas, difíceis de ouvir e mais ainda de avistar.

Chave para entender história da região

Este, no entanto, não é o caso da nova espécie. Ela vive numa terra de amplidão, nos campos de altitude da Chapada Diamantina. Mas, por ser pequena e se parecer com outros passarinhos, passou muito tempo à espera de um descobridor. Sua identificação foi oficializada na edição mais recente da revista ¿Zootaxa¿, uma referência para a descrição de novas espécies, pelos ornitólogos Luiz Pedreira Gonzaga, André Carvalhaes e Dante Buzzetti.

¿ A Chapada Diamantina está cheia de aves, mas até agora se conhecia só duas espécies endêmicas, ambas de beija-flores. O estudo desse novo passarinho nos ajudará a entender melhor a história natural da região ¿ explica Gonzaga, professor do Departamento de Zoologia, do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O pássaro recebeu o nome científico de Formicivora grantsaui e o popular de papa-formigas-do-Sincorá. O primeiro é uma homenagem ao naturalista alemão radicado no Brasil Rolf Grantsau, o primeiro a avistar a espécie, em 1965, mas que não conseguiu identificá-la na ocasião. O segundo nome homenageia a Serra do Sincorá, parte da Chapada Diamantina, e habitat exclusivo da espécie.

O curioso é que o papa-formigas em questão não demonstra o menor apetite pelo referido inseto. E tampouco é conhecido pelos moradores da região. Ou seja, não come formiga nem é popular. Ele recebeu um nome não científico porque esta é uma prática da ornitologia. E virou papa-formigas porque tem uma série de características físicas que o enquadram na categoria. Na verdade, nenhuma das cerca de 300 espécies da família dos papa-formiga come formiga. Essas aves seguem as trilhas das formigas de correição, insetos que formam longas fileiras na floresta matando e devorando todo tipo de pequena criatura em seu caminho. Grilos, baratas, todos debandam ao perceber a aproximação das formigas. Os papa-formigas são aproveitadores que comem os bichos mais afoitos.

¿ Essa espécie do Sincorá sequer segue trilha de formiga também ¿ observa Gonzaga.

A avezinha concentra a energia na defesa do território. Os papa-formigas-do-Sincorá formam casais por toda a vida. E cada casal defende seu pequeno território com ferocidade ¿ guardadas as devidas proporções, já que o pássaro mede cerca de 12 centímetros. Mesmo os filhotes crescidos não são bem-vindos e partem em busca do próprio território.

¿ Essa ave é muito fácil de observar. Ela é facilmente atraída por uma gravação de seu canto. Ao ouvir o som, ela tenta descobrir quem é o invasor ¿ diz Gonzaga.

Segundo ele, a descoberta tem ainda valor para o ecoturismo, já que observadores de aves costumam viajar para conhecer as novas espécies.

¿ Acreditamos que a nova espécie possa ser encontrada por toda a área do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Numa região em que o ecoturismo é uma atividade importante, a descoberta de novas espécies tem ainda valor econômico ¿ observa.

Muitas aves ainda a serem descobertas

Com 1.796 espécies registradas, o Brasil é o segundo país do mundo em diversidade de aves. Perde apenas para a Colômbia. O país tem 57% das aves de toda a América do Sul e pesquisadores dizem que mais espécies podem ser descobertas, pois muitas áreas naturais do território nacional jamais foram estudadas em profundidade.

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