Título: Relatório ao som de 'O poderoso chefão'
Autor: Carvalho, Jaílton de e Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 21/05/2007, O País, p. 3

PF prepara DVD com informações sobre a missão dos policiais no rastro da Gautama.

BRASÍLIA. Ao som da música tema do filme "O poderoso chefão", a Polícia Federal produziu um DVD com o relatório do que já foi apurado até agora sobre a quadrilha chefiada pelo empresário Zuleido Veras. A trilha sonora da saga da família do mafioso Don Corleone acompanha a leitura do arquivo digital que, além de desvendar como atuava a empreiteira Gautama, revela que a PF não se limitou a fazer escutas telefônicas para desbaratar o esquema. O documento enviado ao Superior Tribunal de Justiça é uma enciclopédia do crime: há fotos de funcionários sacando dinheiro, levando malas para aeroporto e até servidores públicos passeando de lancha.

O material organizado pelo setor de inteligência da PF também reproduz documentos oficiais para comprovar que as negociações discutidas nas conversas telefônicas pelos integrantes da quadrilha resultaram em fraudes com dinheiro público beneficiando a Gautama. A PF montou organogramas para explicar quem é quem na quadrilha, que tem no comando o empresário Zuleido Veras.

"Nós estamos esticando a corda demais! A corda vai arrebentar"

Os policiais escolheram como epígrafe do relatório um diálogo entre Abelardo Sampaio Lopes Filho e Gil Jacó Carvalho Santos, altos funcionários da Gautama, em Salvador. A conversa, gravada com autorização judicial às 15h03m, de 29 de março deste ano, sintetiza os abusos da organização. Após combinar mais uma fraude da organização, Abelardo diz: "Gil, tudo tem limite! Nós estamos esticando a corda demais! A corda vai arrebentar". A corda arrebentou quinta-feira passada. Abelardo e Gil fazem parte dos 44 presos na carceragem da PF, em Brasília.

No encalço dos integrantes do esquema, a PF mobilizou mais de 400 policiais, que saíram em campo para seguir seus alvos. Há registros de almoços dos integrantes da quadrilha. Na mesa ao lado estavam os agentes federais que, sem que o grupo da Gautama percebesse, tiravam fotos. A câmera usada era de celular.

Detalhistas, os relatórios de missão anexados ao documento principal narram operações em que agentes seguiram os funcionários da Gautama quando estes iam sacar dinheiro. Dos bancos, os funcionários iam para o aeroporto. O relatório usa imagens do circuito interno para mostrar o deslocamento dos alvos da investigação.

Numa das missões, os agentes chegaram às minúcias, como em 9 de março. Segundo a PF, Zuleido levava em sua pasta R$145 mil em dinheiro. Eles o seguiram até em locais reservados. "No banheiro, (Zuleido) entrou numa das cabines e se trancou. Abaixou a tampa do vaso sanitário e sentou-se sem tirar a roupa. Ficou por aproximadamente 2 minutos, e depois saiu direto para a sala de embarque. Depois de passar pelo raio X, Zuleido foi, novamente, direto para o banheiro. Fez a mesma coisa, entrou na cabine, se trancou, abaixou a tampa do vaso sanitário e sentou-se sem tirar a roupa, porém, depois de alguns minutos, disse, em voz baixa, o número 10. Saiu do banheiro, passou na livraria e se sentou na espera do vôo. Mais ou menos no horário marcado do vôo, Zuleido embarcou. Decolou no vôo 3040, da empresa TAM, com destino a Maceió. Esta equipe esperou o avião sair para ter certeza que Zuleido viajou", diz o relatório de missão.