Título: Juízes corruptos
Autor: Rocha, João Luiz Coelho da
Fonte: O Globo, 21/05/2007, Opinião, p. 7

A revelação de possíveis - e, pelo acúmulo de indícios, mais que possíveis - atos de corrupção e favorecimento no Judiciário deve trazer conseqüências responsabilizatórias para o poder público.

Na hipótese bem próxima de ficar provada a ação dolosa dos julgadores indiciados, deve-se considerar as repercussões jurídicas para além da inculpação penal de cada um na área criminal e na do direito administrativo (art. 37, § 4º da Constituição.

Juízes são agentes políticos, tal como deputados, senadores, o presidente da República, os governadores, etc., representando o estágio superior, diferenciado, dos funcionários públicos. Sobre a administração pública federal a Constituição dispõe várias normas e parâmetros nos seus arts. 37 a 43.

Já se vê no caput do artigo 37, dirigido à "administração pública e indireta de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Direito Federal e dos municípios, como ela, por todos os seus agentes e funcionários, é claro, deve obedecer "aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade ..."

Teria sido assim de modo afrontoso às várias regras de direito infra-constitucional, como as da lei orgânica da magistratura e as do código penal, que tais magistrados ao mesmo tempo desprezaram os princípios de moralidade, legalidade e impessoalidade declarados na Constituição.

Nesta condição, as pessoas jurídicas de direito público à qual servem - União Federal, no caso dos magistrados do STJ, dos TRFs, dos Tribunais do Trabalho envolvidos - respondem pelos danos que seus atos causam a terceiros (art. 37, § 6º da Constituição).

E veja-se que, conforme afirmam todos os autores, e conforme a jurisprudência já firmou, essa responsabilização é objetiva, independentemente de qualquer outra exigência.

Ao que se mostra até aqui, a maior parte dos prováveis atos de corrupção judicial acaba se reportando a decisões danosas ao próprio poder público, com evasão tributária, desvio de proibições administrativas, etc. Se tais agravos trouxeram prejuízo ao patrimônio público federal (evasão de Imposto de Renda, etc.), a União não teria como nem por que cobrar de si mesma.

Mas se nessas decisões viciadas houver prejuízos a direitos legítimos de outras partes, públicas ou privadas, cabe à União responder pelas perdas apuradas, podendo então, se for economicamente viável, exercer seu direito de regresso, cobrando dos magistrados envolvidos.

A nossa tradição mostra o quão pouco provável é que o poder público, de iniciativa própria, vá proceder a esse ressarcimento de prejuízos eventualmente causados a outros pelos seus agentes, devendo os interessados certamente pleitear em juízo; ainda que, como todos sabemos, seus ocasionais recebimentos vão ser muito protelados no tempo. Contudo, isso deve ser uma questão de princípios, inclusive, aqui sim, o da tão decantada cidadania.

JOÃO LUIZ COELHO DA ROCHA é professor de direito da PUC-RJ