Título: CPI não é
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 22/05/2007, O Globo, p. 2
Desta vez, os grandes partidos, seja da oposição ou do governo, se juntaram para dizer que não é o caso de uma nova CPI, ontem só defendida pelo PSOL e o PPS. Deveria ela investigar os indícios de aliciamento de parlamentares em troca de emendas beneficiando a construtora Gautama. Os partidões se protegem, mas o fato é que CPIs não são mais remédio para o mal que vai matando o Congresso aos poucos.
E, com isso, enfraquece a crença na representação e na própria democracia. Há poucos meses, o ex-deputado Antonio Carlos Biscaia, hoje secretário Nacional de Justiça, presidia a CPI dos Sanguessugas, que investigava um esquema igualzinho ao da Gautama. Igual, porém mais modesto, diz Biscaia.
- Nada disso que está sendo revelado agora é novidade. Os Vedoin explicaram em detalhes, e ao vivo, como funcionava o esquema deles para ambulâncias. É tudo a mesma coisa, muda apenas o objeto das emendas. Há 14 anos, isso ficou claro com a CPI dos Anões do Orçamento. As CPIs, mesmo vindo a reboque, quando os fatos se tornam públicos, ajudariam se produzissem mudanças normativas. Mas a luta política dentro delas é tal que inviabiliza todo o esforço neste sentido - diz Biscaia.
Também ele acha que não há mais o que esperar, a não ser uma crise institucional, decorrente desta autodestruição galopante do Congresso e das instituições políticas em geral. O que precisamos fazer com urgência é mesmo aprovar duas reformas, a orçamentária e a política.
Elas de fato se complementam, porque, se os esquemas de corrupção montados em torno das emendas parlamentares têm, numa ponta, empresas ou máfias que disputam o dinheiro público, na outra estão congressistas sempre às voltas com o financiamento de suas campanhas. Numa terceira ponta entra o Poder Executivo, onde as máfias corrompem em todos os escalões, de ministro a ordenador de despesa, para que seja completo o caminho do desvio: emenda apresentada-propina paga-emenda liberada.
Com a reforma político-eleitoral, pode-se pelo menos mitigar o problema do financiamento das campanhas, através do financiamento público, um sistema que funcionaria melhor com o voto em lista, sobre o qual não há consenso. A fórmula, seja qual for, deve subordinar o mandato ao partido e libertar os parlamentares da vassalagem aos financiadores de suas campanhas. Mas essas mudanças nada resolverão se não for radicalmente modificada a sistemática orçamentária. Há quem pregue o fim das emendas parlamentares, uma solução tecnicista e antidemocrática. Privaria os representantes do povo de influir na distribuição dos recursos públicos, em favor de tecnocratas sem voto.
O que fazer? Biscaia concorda com a proposta que tem sido freqüentemente apresentada aqui: que se tornem as emendas de liberação impositiva, já que a adoção plena do orçamento impositivo encontra fortes restrições entre os gestores da economia. Pergunte-se a um deputado o que ele prefere: os R$5 milhões de hoje (em emendas), de liberação incerta, que os deixa sujeitos a receber pressões do governo ou assédio dos corruptores/financiadores, ou um valor bem menor (de R$1 milhão a R$2 milhões, por exemplo), mas de execução automática? A última hipótese, com certeza.