Título: Suspeita de propinas também nos Transportes
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 22/05/2007, O País, p. 5

PF e Ministério Público investigam favorecimento à Gautama para pavimentação de BR no Amazonas.

BRASÍLIA. Uma linha paralela de investigação da Operação Navalha apura o pagamento de propinas pela empreiteira Gautama para a liberação de verbas do Ministério dos Transportes. A obra que virou alvo da investigação é a pavimentação da BR-319, no Amazonas. Além da investigação feita pela PF, o Ministério Público Federal também apura denúncias de favorecimento da Gautama, e até mesmo se houve atuação do ministro Alfredo Nascimento (PR-AM) em favor da obra.

Chama a atenção da investigação o lobby do ex-deputado Humberto Michiles (PR-AM) para a aprovação e a liberação de emendas em favor da Gautama. Michiles é homem de confiança de Nascimento, que o indicou recentemente para o cargo de diretor financeiro do Dnit. Segundo um assessor, o nome de Michiles só não foi aprovado porque ele não tinha curso superior.

Até o momento, o Ministério dos Transportes liberou para a empreiteira R$25,7 milhões para a construção da BR-319. A obra total está orçada em R$171 milhões e foi considerada irregular pelo Tribunal de Contas da União. A apuração feita pelo MPF indica que o lobby em favor da obra era feito no Congresso, para a destinação de emendas, e no ministério, para a liberação dos recursos. Nos dois casos, Michiles era peça fundamental do esquema.

Gravações feitas pela PF ano passado revelam que Michiles recebeu propina de R$100 mil do esquema do empreiteiro Zuleido Veras para financiar campanha eleitoral. A intermediação foi feita pelo lobista Flávio Candelot. Segundo relatório da operação, o dinheiro foi pago a Tasso Michiles, filho do ex-deputado, por transferência bancária.

Nas conversas telefônicas, o então deputado é questionado sobre a liberação de verbas para a BR-319. A propina é citada em forma de código como a "autorização para movimentação de lubrificantes". Há várias conversas entre o ex-deputado, o seu filho Tasso e o lobista Flávio, além de funcionários da Gautama e o próprio Zuleido.

Pelas gravações, Michiles é o responsável por fazer ingerência para a destinação de verbas no Orçamento para a BR e pela liberação de recursos no Dnit. Em outro telefonema, o lobista Flávio informa a uma funcionária da Gautama que vai tratar com Michiles sobre multa do Ibama de R$2 milhões contra a empreiteira.

De acordo com parlamentares aliados de Nascimento, Michiles é um dos políticos mais próximos do ministro e o teria aproximado de Zuleido. O MP investiga se há ligação direta entre o ministro e o empreiteiro.

Nas gravações de telefonemas feitas pela Operação Navalha, não há registro de conversas de Nascimento. Ele estava afastado do governo no período de investigação da PF. Nascimento saiu do ministério em março do ano passado e só voltou ao governo mês passado.

Em 2001, o TCU considerou irregular a obra da BR-319 devido a "execução irregular do convênio" pela Gautama. A empreiteira é responsável pelo trecho da rodovia entre os quilômetros 166 e 370. A obra liga os estados do Amazonas e Rondônia. Quando assumiu o ministério, em 2004, Nascimento fez gestões para regularizar a obra e se reuniu com o TCU. Só em 2005 a obra foi regularizada pelo TCU.

- Nessa obra, especificamente, não havia uma empresa para fiscalizar e supervisionar a execução dos serviços, como determina a lei. Só em 2005, a obra foi liberada - conta procurador-geral da República junto ao TCU, Lucas Furtado.

Segundo o Portal Transparência da Controladoria Geral da União, a Gautama recebeu em 2005 R$9,96 milhões do Dnit. Em 2006, foram R$19,93 milhões. Em 16 de junho de 2005, o Dnit emitiu uma única nota de empenho em favor da Gautama no valor de R$21,14 milhões para a realização da BR 319.

A assessoria de imprensa do Ministério dos Transportes informou que a obra na BR 319 foi aprovada em 2000. Do orçamento total de R$171 milhões, foram empenhados R$66 milhões. Mas o valor pago foi de R$25,7 milhões, além de R$4,1 milhões em restos a pagar.

A assessoria de imprensa dos Transportes informa ainda que o ministro determinou apuração rigorosa no contrato da Gautama e suspendeu os pagamentos para a construtora. Informou ainda, que, se ficar comprovada irregularidade, o contrato será cancelado. Nascimento não retornou ao GLOBO porque estava em viagem ao Paraguai, com o presidente Lula.