Título: Fim do conta-gotas nos juros
Autor: Duarte, Patricia e Santos, Ana Cecília
Fonte: O Globo, 22/05/2007, Economia, p. 17

Câmbio faz analistas apostarem num corte mais ousado do BC na taxa básica, de 0,5 ponto.

Aforte queda do dólar está levando o mercado financeiro a acreditar que o Banco Central (BC) retomará no mês que vem uma política monetária mais agressiva. Na pesquisa semanal Focus, feita pela instituição, a maioria absoluta dos analistas consultados prevê que a taxa básica de juros (Selic) será reduzida em 0,5 ponto percentual, para 12% ao ano, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), nos dias 5 e 6 de junho. Nas últimas três reuniões, os cortes foram de 0,25 ponto. Os especialistas contam, ainda, com o impacto da desvalorização da moeda americana sobre a inflação e com o fato de o Copom ter votado dividido no último encontro - quatro diretores votaram a favor da diminuição de 0,25, enquanto três queriam 0,5 ponto.

De lá para cá, o cenário de preços melhorou muito com o dólar despencando, o que reforçou apostas mais ousadas agora, até mesmo de 0,75 ponto, em alguns casos. A expectativa de reduções mais significativas está refletida na Selic que o mercado projeta para dezembro deste ano, segundo a última pesquisa: 10,75%. Na semana passada, este percentual havia se ajustado em 0,25 ponto percentual, para 11% ao ano.

- De forma geral, está começando a disseminar-se que podem vir três cortes de meio ponto seguidos - afirma Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos.

No mercado futuro, as projeções também vão nesta direção. Ontem os juros dos contratos negociados na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) com vencimento em janeiro de 2009, usados como referência para o mercado, recuaram de 10,54% para 10,51% ao ano. No último dia 17, quando a agência de classificação de risco Standard & Poor"s anunciou a melhora na nota do Brasil, a taxa chegou à mínima histórica de 10,48% anuais.

- Os dados econômicos estão positivos e as projeções de inflação são tranqüilas, o que abre espaço para o Banco Central ser um pouco mais agressivo e cortar 0,5 ponto - afirma Carlos Cintra, gerente de renda fixa do Banco Prosper, que projeta uma Selic de 10,75% anuais para o fim do ano.

Alexandre Horstmann, sócio da Meta Asset Management, também aposta em um corte de 0,5 ponto na próxima reunião do Copom:

- Se o BC não cortar 0,5 será por conservadorismo e não pelos dados da economia, que estão positivos.

Para André Fadul, gestor de renda fixa da Mercatto, há um consenso no mercado de que o próximo corte será de 0,5 ponto:

- A questão é saber quantos cortes serão de 0,5 ponto já que o BC se mostrou cauteloso ao manter um longo ciclo de cortes de 0,25 ponto. Mas a inflação está vindo abaixo das expectativas, por isso, acredito em dois cortes seguidos de 0,5.

O economista Ivo Chermont, da Modal Asset, também acredita que, com a inflação e o dólar em queda, há espaço para o corte de 0,5 ponto, com a Selic encerrando o ano em 11,25%.

Dólar cai mais e fecha em R$ 1,94

Pelo Focus, o mercado em geral acredita que o dólar feche o ano a R$2, abaixo dos R$2,05 do levantamento anterior. Olhando, no entanto, apenas a pesquisa com os denominados Top 5 - as cinco instituições ouvidas pelo BC que mais acertam nas projeções - a cotação do dólar chegaria ao fim de 2007 a R$1,90. Os elevados juros no mercado interno vêm atraindo grande fluxo de investimentos estrangeiros, além dos recursos provenientes de exportações, o que eleva a oferta de moeda no país e ajuda a derrubar a cotação do dólar.

Ontem, o dólar fechou a R$1,94, com queda de 1,12%. O BC fez um leilão de compra da moeda no mercado à vista - estima-se que tenha comprado cerca de US$300 milhões, mas o mercado de câmbio movimentou ontem volume muito maior, em torno de US$4 bilhões. Se as compras do BC continuarem nesse ritmo fraco, analistas já esperam que a moeda caia abaixo de R$1,90 nos próximos dias.

O impacto nos cálculos de inflação é imediato. De acordo com a pesquisa do BC, o mercado projeta IPCA de 3,60% para este ano (abaixo dos 3,62% do levantamento anterior) e de 4% para 2008. Ambos estão bem aquém do centro da meta do governo para o período, de 4,5%, e podem se distanciar ainda mais.

- Com o cenário de agora, já dá para começar a prever que a inflação de 2008 também ficará abaixo dos 4% - avaliou Newton Rosa.

Para a economista-chefe do ABN Amro, Zeina Latif, porém, a economia está bastante aquecida e juros mais baixos podem favorecer pressões inflacionárias.

- Esse cenário é mais complicado, existe muita euforia. Uma redução maior na Selic agora não teria um impacto grande no câmbio e, ao mesmo tempo, poderia ser perigosa neste momento de produção crescendo. Pode haver pressão na inflação - argumenta Zeina, para quem o Copom deveria manter o corte de 0,25 ponto na próxima reunião, apesar de reconhecer que as chances de isso acontecer são mínimas.

Saldo comercial atinge US$ 15,6 bi

A apreciação do real também não aparece para o mercado como empecilho ao crescimento das exportações. O mercado puxou para cima suas estimativas para o saldo comercial de 2007: de US$40,55 bilhões para US$41,10 bilhões. Na semana passada, as exportações mantiveram um ritmo mais intenso de crescimento do que as importações. Em termos de média diária, as vendas externas estão, este mês, 40,7% maiores do que as de maio de 2006. As importações subiram, em igual período de comparação, 36,1%.

Esse desempenho fez com que o superávit comercial acumulado em 2007, de US$15,690 bilhões, voltasse a ficar num patamar mais elevado do que no ano passado, que era de US$14,830 bilhões. Em maio, a balança comercial está superavitária em US$2,704 bilhões. Somente na terceira semana do mês, as vendas externas somaram US$3,330 bilhões, enquanto as importações ficaram em US$2,029 bilhões. Essa redução gerou o maior saldo comercial do ano em uma semana, de US$1,301 bilhão.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem, em seu programa semanal de rádio, que nada atrapalhará o desenvolvimento do país. Lula atribuiu o bom momento da economia brasileira ao trabalho em prol da estabilidade e da melhoria do ambiente institucional, que permite aos investidores "um jogo muito à luz do dia".

- O risco-Brasil tem diminuído, os investimentos estão acontecendo, os empregos estão crescendo de forma extraordinária. Eu acho que poderemos crescer mais ainda, poderemos nos desenvolver muito mais. Portanto, eu estou otimista e faço parte desse clima. Não tem nada que possa atrapalhar o desenvolvimento e o crescimento do Brasil, e muito mais se tivermos competência para fazer do crescimento uma forte política de distribuição de renda para melhorar a vida do povo brasileiro - disse Lula.

COLABORARAM Eliane Oliveira e Luiza Damé