Título: Falha da Navalha
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 23/05/2007, O Globo, p. 2

A Polícia Federal deu pernas à informação de que 40 parlamentares aparecem na lista de agraciados da construtora Gautama, mas não revelou seus nomes. Com isso, jogou sobre o Congresso um escândalo que passa por lá mas, certamente, tem vastas conexões em outras áreas. O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, fez o que devia, ao pedir ao STF a remessa do processo.

Entre o terror de um novo escândalo, de alcance ainda imprevisível, e a necessidade de reagir a um novo espancamento institucional, a Câmara tomou ontem outras medidas que há tempos já podia ter tomado. Além da iniciativa de Chinaglia, houve a aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça, do projeto do deputado Affonso Camargo, tornando automática a execução das emendas orçamentárias. Os líderes partidários, finalmente, chegaram a um acordo sobre a votação da reforma política.

Aquele pacote de reformas da comissão especial - financiamento público, voto em lista, fidelidade partidária e fim das coligações proporcionais- será rejeitado e as mesmas propostas serão reapresentadas, mas separadamente. Isso significa que um deputado poderá votar a favor do financiamento público de campanhas mas contra o voto em lista, ainda que isso não combine. Facilita a votação mas pode produzir, em vez de uma reforma, um remendo obtuso.

O projeto de Camargo, ao proibir o contingenciamento das emendas, na prática torna automática a execução delas. Como se tem explicado aqui, isso fecharia um significativo ralo da corrupção, evitando ainda a pressão dos governos para obter o voto dos deputados. O presidente da CCJ, Leonardo Picciani, já tentara votar o projeto na quarta-feira passada. Os governistas não deixaram. Ontem, encontrou clima favorável. O novo escândalo vem apenas reiterar o já sabido: se as emendas dependem da boa vontade do Executivo, são presas fáceis da manipulação ou da corrupção. Há quem pense, como o governador José Roberto Arruda (DF), que o melhor é acabar com as emendas individuais. Restariam apenas as de bancadas, que, sendo coletivas, não se prestariam ao uso político e ao desvio. De todo modo, é bom que discutam o assunto e que se chegue a alguma solução.

Em todo o Congresso, e até entre os governadores que por lá passaram, havia ontem uma preocupação comum com a divulgação fragmentada, pela PF, de informações sobre a investigação em curso.

- Como polícia de Estado, a PF deve ter liberdade para investigar mas responsabilidade na divulgação de seus achados, evitando o direcionamento e a generalização - dizia o governador Aécio Neves.

A Operação Navalha foi eficiente. Combater a corrupção é bom e todos querem. Mas não se pode mesmo aplaudir a meia-transparência. Como disse aqui ontem o deputado Marcelo Itagiba, em processos sob segredo de Justiça não há meio-termo. Ou se preserva o segredo, ou se divulga tudo. Os rumores sobre a tal lista da Gautama puseram sob suspeita todos os deputados e dificultaram as providências. De posse do processo, confirmando a implicação de deputados, a Mesa poderá propor a criação da CPI (por ora só defendida por PPS, PSOL e PSDB), a abertura de processos no Conselho de Ética ou uma outra atitude.