Título: `A UE deve pressionar a Rússia a atender o pedido inglês¿
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Fonte: O Globo, 23/05/2007, O Mundo, p. 27

BERLIM. Para Roland Goetz, especialista em Rússia da Fundação de Ciências Políticas de Berlim, o caso do ex-espião pode prejudicar as relações da Rússia com a Europa, mas a UE deverá pressionar Moscou para que mude de posição. Em entrevista ao GLOBO, Goetz disse que a nova manifestação de força do Kremlin é também uma jogada de política interna por causa das próximas eleições para o Parlamento e para a Presidência.

Graça Magalhães-Ruether

Como o senhor vê a recusa da Rússia em entregar o suspeito do assassinato de Litvinenko à Justiça britânica?

ROLAND GOETZ: A recusa pode prejudicar as relações com a União Européia, que já passam por um momento difícil. Eu não diria que há uma crise entre a Rússia e a UE, como algumas pessoas vêem, mas há atualmente uma série de divergências, de um lado, e uma motivação de política interna que faz os russos mostrarem mais dureza em relação à Europa. Mas se houver mesmo provas contra Andrei Lugovoi, a UE vai tentar usar o seu poder para pressionar os russos a atender o pedido de Londres.

Os russos exigem uma demonstração de força do Kremlin?

GOETZ: Uma grande parte da população, sim. Muitos não esqueceram a época de humilhação dos anos 90, quando a economia do país estava mal e o governo precisava atender às exigências do Ocidente por necessidade. Hoje a situação econômica é muito melhor, a autoconfiança da população também, mas muitos observam com irritação como os países do antigo bloco do leste fazem hoje parte da Otan e da União Européia. O projeto do escudo antimísseis dos Estados Unidos na Polônia e na República Tcheca, antigos países irmãos na era soviética, causa também apreensão na população. Isso faz muitos pensarem que há uma espécie de complô contra a Rússia.

As últimas manifestações de força do Kremlin, que foram vistas também na recente cúpula com a UE em Samara, têm em vista também as próximas eleições?

GOETZ: Sim. Atualmente a política externa é usada também para ajudar a política interna, pois em breve haverá eleições para a Duma (o Parlamento russo) no final deste ano e para a Presidência, no início do próximo. Os russos não ignoram que o país perdeu de forma irrevogável a influência que tinha na época da União Soviética, mas querem que o governo seja capaz de defender os interesses do país.

Os pontos de divergência atrapalham as relações econômicas?

GOETZ: De forma alguma. As relações econômicas são no momento excelentes. Há até uma certa dependência de parte da Europa do petróleo e sobretudo do gás da Rússia. Se os russos interrompessem o fornecimento, haveria uma crise de abastecimento. É por isso que eu digo que não há crise, apenas alguns pontos de divergência porque as relações continuam intensas. Nem a Rússia nem a UE têm interesse em desentendimento, mas cada um dos dois lados tem seus próprios interesses.

A Rússia está a caminho de voltar a ser uma superpotência?

GOETZ: Eu diria uma potência regional, que está voltando a adquirir influência por causa da fraqueza dos Estados Unidos em conseqüência da guerra do Iraque e do enfraquecimento da União Européia por causa da crise da Constituição européia.